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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Boitatá


Boitatá é um termo tupi-guarani – o mesmo que Baitatá, Biatatá, Bitatá e Batatão –, usado para designar, em todo o Brasil, o fenômeno do fogo-fátuo* e deste derivando algumas entidades míticas. O termo seria a junção das palavras tupis boi e tatá, significando cobra e fogo, respectivamente - ou ainda de mboi, a coisa ou o agente. Significa, assim, cobra de fogo, fogo da cobra, em forma de cobra ou coisa de fogo.

Dessa forma, no folclore brasileiro, o Boitatá é uma gigantesca cobra-de-fogo que protege os campos contra aqueles que o incendeiam. Vive nas águas, protegendo os rios e lagoas de pescadores que prejudicam a vida dos peixes. Pode se transformar também numa tora em brasa, queimando aqueles que põem fogo nas matas e florestas. Apesar das inúmeras representações, o Boitatá teria olhos flamejantes que só enxergam no escuro e um couro transparente que cintila na escuridão.

Este mito antigo foi registrado por José de Anchieta em 1560:
"Há também outros (fantasmas), máxime nas praias, que vivem a maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados baetatá, que quer dizer cousa de fogo, o que é o mesmo como se se dissesse o que é todo de fogo. Não se vê outra cousa senão um facho cintilante correndo para ali; acomete rapidamente os índios e mata-os, como os curupiras; o que seja isto, ainda não se sabe com certeza." (in: Cartas, Informações, Framentos Históricos, etc. do Padre José de Anchieta, Rio de Janeiro, 1933)
A versão mais elaborada deste mito vem do Rio Grande do Sul, no sul do país. Narra-se um período de noite sem fim nas matas com uma enorme enchente causada por chuvas torrenciais (possível relação com o dilúvio bíblico). Não havia estrelas, vento ou barulhos de animais; era um completo silêncio, somente quebrado pelos gritos do Quero-Quero (especie de gaivota). Os homens não saíam de casa e os braseiros começaram a apagar. Assustados, os animais se protegeram em ponto mais elevados, mas muitos morreram.

Diz-se que a jibóia albina é a boigauaçú enfraquecida,
a Boitatá de dia.
A boiguaçu - uma grande cobra que vivia em repouso - despertou faminta e passou a se alimentar dos olhos dos animais mortos. A cada olho que comia, também ficava com um pouco da luz do último dia de sol que os bichos tinham visto antes da grande noite. Com tanta luz ingerida, seu corpo foi ficando transparente. Com o passar de algum tempo, a grande cobra temida por todos enfraqueceu, porque os olhos comidos encheram-lhe o corpo mas não lhe deram sustância. Foi então que a luz que estava presa escapou e o sol foi aparecendo novamente. A boiguaçu só reaparece para comer. Diz-se que quem encontra esse ser fantástico nas campinas pode ficar cego, morrer e até enlouquecer. Assim, para evitar o desastre os homens acreditavam que precisavam ficar parados, sem respirar, de olhos bem fechados. A tentativa de escapar da cobra apresenta riscos porque o ente pode imaginar que se está fugindo por ter ateado fogo nas matas.

Em Santa Catarina, a entidade pode aparecer como um touro gigante com um olho flamejante no meio da testa. Segundo outras interpertações, o Boitatá seria uma alma penada que castiga incestos e outros pecados com um fogo purificador.
* Fogo-fátuo (ignis fatuus em latim) é uma luz azulada que pode ser avistada em pântanos, brejos, etc. resultado da inflamação espontânea de gás metano da decomposição de seres vivos típicos deste ambiente. Este fogo não queima o mato seco e nem tampouco esquenta a água dos rios. Ele simplesmente rola, gira, corre, arrebatando-se até se apagar. Esse fenômeno gerou equivalentes míticos no mundo todo, como, por exemplo, o Hinkypunk (espírito do aml inglês), o Pwca (monstro enganador galês) e a hitodama (esfera que contém a alma no folclore japonês).