domingo, 15 de fevereiro de 2015

As musas

Apolo e as musas, óleo sobre madeira de Peruzzi (1523).

As musas (mousai, em grego) são conhecidas como as deusas da inspiração da arte e da ciência. É preciso saber que existiam inúmeras deusas inspiradoras e levou algum tempo a se chegar a uma categorização delas. Hesíodo, por exemplo, as associava à fontes de água e, portanto, à ninfas de fontes de água doce (náiades ou crineias). Daí a expressão "fonte de inspiração".

Três tipos de musas foram, então, colocadas em ordem, com textos de Homero e Hesíodo: as Titânicas (ou Primordiais), as Olimpianas (ou Canônicas ou Clássicas) e as Apolônidas.

Adoradas no Monte Hélicon, as musas titânicas eram três deusas da música, filhas de Urano e Gaia:
  • Meletea, a prática ("a que pratica"), que produz som golpeando o ar.
  • Aoidea ou Aeda, a canção ("a que canta"), que é a personificação da voz humana.
  • Mneme, a memória ("a que recorda"), nascida do movimento das águas.

Juntas eram o conhecimento básico para prática do culto à arte poética.

Relevo com três musas (possivelmente as titânicas) atribuído ao escultor Praxíteles
(séc. IV a.C. Museu Arqueológico de Atenas)

Após a derrota dos titãs, Zeus tomou Mneme como amante durante nove noites e a transformou em deusa da memória (Mnemósine). Dessa relação, nasceram as nove musas clássicas, as Olimpianas. Mnemósine teve suas filhas (também chamadas de Mneas ou Mnemônides, as recordações) longe dos outros deuses. Elas moravam no Museion (palavra grega para "templo das musas", onde elas residiam ou onde alguém se aperfeiçoa nas diversas artes, e que originou a palavra museu) com as Graças e foram criadas por Eufeme e seu filho Crotos (inventor do aplauso).

Relevo em mármore de sarcófago com as nove musas representadas. (séc. II d.C. Museu do Louvre)

As musas subiam ao Olimpo envolta por nuvens, cantando hinos imortais para se juntar aos deuses na corte de Apolo, deus olimpiano da música e da poesia (Apolo Musegetes). Dizia-se que, quando elas cantavam, tudo se imobilizava: céus e mares paravam para ouvi-las. Somente no funeral de Pátroclo, cantaram lamentos. Eram muitas vezes associadas a Dioniso por conta das festas do deus, porém, eram divindades virginais. Quando diz-se que alguém era filho de uma musa, provavelmente estava se insinuando que ela lhe favorecia.

As nove musas são:

Estátua romana de Calíope
(séc. II d.C.)
Calíope
A mais sábia das Musas e também sua líder. Seu nome significa "a bela voz" e é a musa da poesia épica, das ciências em geral e da elouquência, presidindo as relações entre homens e nações. Com Apolo foi mãe de Orfeu e Linus. Com Ares foi mãe dos fundadores da Trácia. Pode ter sido mãe das sereias.

Costuma ser representada sob a figura de uma donzela de ar majestoso, coroada de louros e grinaldas. Sentada em meditação, segura uma tábua de escrever e um estilete ou um pergaminho e uma pena. A IlíadaA Odisseia e A Eneida apareciam como livros em algumas representações da musa, uma vez que ela era considerada a musa de Homero e Virgílio.




Clio, óleo de Pierre Mignard (1689)
Clio (Cleio)
Musa da história e da criatividade, é frequentemente representada segurando um papiro enrolado e um clarim, com o livro do historiador grego Tucídides ao seu lado. A ela é atribuída a introdução do alfabeto fenício na Grécia. Seu nome significa "a que anuncia" e, assim, era a que divulgava e celebrava realizações, dando fama. Foi mãe de Jacinto, com um rei da Macedônia.

Fez sua irmã Calíope atuar como mediadora na disputa de Adônis entre Perséfone e Afrodite, depois que a deusa do amor fez Clio se apaixonar por um mortal em vingança por receber uma crítica da musa.


Erato, óleo de Cahrles Meynier
(1789)
Erato
Musa da poesia romântica e erótica, e também da mímica. Era representada com uma coroa de rosas e uma cítara (que ela teria inventado, ou uma lira) e, em muitas vezes aparece com Hímero, o cupido do desejo sexual, ou até mesmo Eros. Apesar de seu nome significar "adorável", "a que desperta o desejo", manteve seu caráter virginal, pois faziam com que os outros fossem desejados e dignos de serem amados.

Alguns textos a colocam somente como uma nereida, uma das ninfas do mar, filha de Nereu.







Estátua alemã de Euterpe
(1857)
Euterpe
"A que dá júbilo" era a musa da poesia lírica e, portanto, da música. Era representada com uma flauta dupla (aulos), invenção atribuída a ela, mas teria mesmo inspirado Atenas a criá-la e o músico Mársias a tocá-la.














Estátua romana de Melpômene
(séc. II d.C.) 
Melpômene
"A que canta" era a musa do canto, mas ficou mais conhecida como a musa da tragédia, sendo representada com uma máscara trágica. Sempre bem vestida, usava, porém, coturnos, que eram as costumeiras botas gastas dos atores. Algumas vezes também segura um bastão (a clava de Hércules) e usa uma coroa de ciprestes. Era a oposta de Tália.











Polímnia, óleo de Charles Meynier
(1789)
Polímnia
"A que canta muitos hinos" é a musa das poesias e cânticos sagrados. Usava um véu e era representada com um olhar pensativo (muitas vezes com o dedo na boca ou a mão no queixo). É também musa da geometria, da agricultura e da meditação.












Tália, óleo de Jean-Marc Nattier (1739)
Tália
A oitava a nascer, é a musa da poesia idílica e da comédia, "a que floresce e celebra" é representada com uma máscara de comédia, uma coroa de azevinho (ou hera) e um cajado de pastor. Podia aparecer também com um clarim como um instrumento de sustentação da voz dos atores. Era a oposta de Melpômene, e pode ter sido mãe dos dançarinos coribantes.

Uma das três Graças também se chama Tália. Não se sabe se são dois personagens diferentes ou a mesma, uma vez que os dois grupos femininos moravam no mesmo local.


Terpsícore, óleo de Jean-Marc Nattier (1739)
Terpsícore (ou Terpsícora)
A "radiante agitadora" é a musa da dança e da música coral, sendo representada com uma lira e uma palheta nas mãos. O interessante é que aparecia sempre sentada como se comandasse a dança, e raramente era representada realmente dançando. Alguns dizem que ela é a mãe das sereias junto ao rio Aquelau.





Urânia, óleo de Eustache Le Suer
(1647)
Urânia
A "celestial" é a mais velha das musas. Recebeu seu nome por ser a primeira neta de Urano. Poderosa como seu pai e bela como sua mãe, é a musa da astrologia, da astronomia e da filosofia, representada com um compasso e um globo celestial. É também associada ao Amor Universal e ao Espírito Santo. Vestida com um manto estelar, era capaz de prever o futuro pela posição das estrelas. Foi a primeira a cavalgar Pégaso (que criou uma fonte de inspiração ao bater com seus cascos no Monte Hélicon) e a responsável por salvar o cavalo alado da fúria de Zeus.






Afirmavam os poetas que tudo que diziam era apenas repetição do que as musas lhes haviam sussurrado e davam a elas todo o crédito. Eles invocavam sua musa e esperavam que ela viessem atendê-los na sua inspiração, muitas vezes, na forma de pássaros. Diz-se que Hesíodo pastoreava seus rebanhos no Hélicon quando as musas se dirigiram a ele e lhe disseram que sabiam tanto mentir quanto revelar a verdade. Deram-lhe um ramo de loureiro e iniciaram-no como poeta. Alguns eram abençoados no berço, quando elas colocavam uma doce gota de orvalho nos lábios do bebê.

Urânia e Calíope, óleo de Simon Vouet (1634, National Gallery of Art, Washington)

Porém, nem só histórias boas rondam as musas. Elas sabiam ser bem vingativas quando atacadas. Uma história conta que o arrogante poeta Tamires zombou das capacidades das musas creditando seu talento a si mesmo: acabou cego e sem memória. Já o Rei Pierus disse que suas nove filhas rivalizavam em beleza e talento com as musas: forma transformadas em almas-de-gato (um tipo de ave que produz um som de gemido).

As musas apolônidas seriam três filhas de Apolo chamadas Kefiso, Apolonis e Borístenes, mas eram adoradas na região de Delfos como as três cordas da lira do deus, Nete, Mese e Hypate.

Uma genealogia diz que as musas eram as cinco filhas de Zeus e Plusia: Meletea, Mnemea, Aoidea, Telxínoe (a que toca) e Arche (a que glorifica). Uma genealogia menos comum coloca as musas como filhas de Harmonia e netas de Ares e Afrodite (embora outros mitos digam que as musas dançaram no casamento de Harmonia e Cadmo). Já Cícero contava sete musas, filhas de Piero e da ninfa Antíope: Neilo, Tritone, Asopo, Heptapora, Aquelóis, Tipoplo e Ródia.

Na mitologia romana, terminaram sendo identificadas com as Camenas, simples ninfas inspiradoras das fontes, perdendo sua importância. Na mitologia escandinava, aproximam-se das völvas e, na mitologia hindu, das apsaras.

Foi sugerido por escritores tardios que os gregos inventaram as musas a partir de uma lenda egípcia que dizia que Osíris viajava com nove talentosas donzelas por conta de seu gosto pela música e pela dança. Posteriormente, essas donzelas se transformaram em deusas. Essa alegação é apoiada pelo fato de Osíris receber o epíteto de Hegetes, líder das donzelas, palavra que teria dado origem a Musegetes, epíteto de Apolo como líder das musas.

sábado, 31 de janeiro de 2015

Novas lupas religiosas

Normalmente, as lupas de mitologia (que vocês podem ver aí do lado) estão sempre se referindo a uma cultura ou território. Porém, como mitologia e religião são praticamente indissociáveis e, nos últimos tempos, tenho colocado algumas postagens mais ligadas a religiões, resolvi criar duas novas lupas: para a Mitologia Cristã e para a Mitologia Judaica e, assim, ficar mais fácil de encontrar as postagens para esses temas.

Com o tempo - quem sabe - podem surgir outras lupas desse tipo, como Budismo ou Islamismo, entre outras. Nos casos do Xintoísmo e do Hinduísmo, creio que as lupas de Mitologia Japonesa e Mitologia Hindu podem servir de base. Divirtam-se!

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Signos geométricos

Ontem, signos selvagens. Hoje, geométricos.

Áries
Touro
Gêmeos
Câncer
Leão
Virgem
Libra
Escorpião
Sagitário
Capricórnio
Aquário
Peixes

Essas imagens são obras da artista plástica brasileira Odilla Mestriner (1928-2009), da série Signos (1975), retiradas do site do Instituto Odilla Mestriner. Vale a pena conhecer mais sobre ela.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Signos selvagens

O americano Damon Hellandbrand (ou Orion35) fez uma releitura selvagem dos signos do zodíaco.


Tá mais pra assustador...

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Quem é esse homem?

Conhece? Clique aqui é veja o que a perícia descobriu.

Bastardo. Analfabeto. Exorcista. Mágico. Milagreiro. Insurgente. Rebelde. Bandido. Pecador. Zelota. Revolucionário. Messias. Nazareno. Jesus, o Cristo.

Esses são alguns dos epítetos que o personagem mais famoso da história da humanidade recebe no livro Zelota - A vida e a época de Jesus de Nazaré (Ed. Zahar, 2013), do phD em temas religiosos - e iraniano - Reza Aslan. Esteja ciente que, ao pegar esse livro para ler, você não vai reconhecer o Jesus Cristo, aquele pregador pacífico que todos reverenciam. Não. Você vai conhecer o Jesus homem, o Jesus histórico, posivelmente o verdadeiro Jesus que passou pela Terra. Digo provavelmente porque o autor deixa bem claro que pouco se sabe realmente sobre esse Jesus, uma vez que tudo que foi escrito sobre ele é de autoria política e bem depois de sua morte. É preciso esmiuçar o contexto real e histórico para entender quem pode ter sido esse homem que para muitos é o Filho de Deus.

A cultura judaica é o centro da história. Descobre-se o (talvez) primeiro holocausto que esse povo passou, mas também ficamos certos de que o grande problema das religiões é que ela serve e dá poder ao homem. Em busca do poder, seja ele financeiro ou político (e aqui também entenda religião como política), massacres e injustiças foram cometidos... assim como nos dias de hoje.

É interessante perceber que em nenhum momento se reduz a importância de Jesus. Pelo contrário, ele ganha novas tonalidades e se aproxima ainda mais de nós. Fica mais parecido com o homem da foto que encabeça esta postagem do que com o branco, de cabelos loiros compridos e olhos azuis que Roma nos apresentou. Com isso, a Bíblia enquanto livro religioso recebe uma comprovação de artifício político com inúmeros absurdos históricos e paradoxos entre seus próprios autores! A história da criação do Cristianismo - e da Igreja em si - tem revelada suas incongruências.

Vale dizer que Jesus não é o único personagem visitado: Maria, de virgem, passa por questionamentos de fidelidade; João Batista, de primo batizador, passa a grande mentor; o apóstolo Tiago, de Menor e quase sumido nas escrituras, passa a irmão de Jesus e o verdadeiro líder dos seguidores de Jesus após sua morte; Paulo, de perseguidor convertido e pai do Cristianismo, passa a um dissidente dos ensinamentos e quase um mentiroso birrento. Até mesmo a cruz recebe nova e mais factível interpretação.

Porém, essa é a minha interpretação. Leia por sua conta e reveja sua fé, porque - acredite - não tem como não questionar a Bíblia e tudo que lhe foi ensinado, mesmo que você seja o mais crente possível.



Dito isso, não sei se vocês perceberam que eu ressaltei o fato do autor ser iraniano. Fiz isso pelo motivo mais claro e atual: questionar nacionalidades, religiões e fundamentalismos. Mesmo sendo um best-seller, ele foi duramente criticado somente pelo fato de ter nascido no país considerado mais fundamentalista islâmico que existe. Como alguém como ele (um muçulmano) poderia escrever sobre a figura mais importante do Cristianismo? É claro que seu objetivo seria acabar com Jesus e com as bases da religião judaico-cristã! Certo? Errado.

Veja a entrevista a seguir (está em inglês mas tem legendas nas configurações) que foi considerado "uma das piores entrevistas da história", onde Reza Aslan precisa explicar várias vezes seu gigantesco currículo acadêmico enquanto a âncora da Fox News só quer chamá-lo de muçulmano, num caso explícito de islamofobia.


Também veja o vídeo a seguir para você entender o problema da islamofobia que acaba se transformando numa questão de Crença vs. Realidade, do que alguns aceitam como realidade vs. do que os fatos reais apresentam, que é exatamente o ponto do livro.


É isso. Reveja sua fé e os seus pré-conceitos (escrito assim mesmo).



Sobre o livro em si, achei um pouco confusa a ordem não-cronológica que o autor faz. Ele até segue um raciocínio direcionado, mas faz inúmeros vai-e-vens temporais que por muitas vezes perde o contexto. No fim, as notas dos capítulos inserem mais informação sobre as pesquisas e referências nas quais o livro foi baseado. Leia-as também - de preferência após cada capítulo correspondente para não ficar ainda mais perdido. Mesmo com isso tudo, as ideias e objetivos do autor ficam claros.