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sábado, 23 de agosto de 2014

Curupira

Ilustração de Rafamarc
O Curupira é uma entidade protetora das árvores e da caça, senhor dos animais que habitam a floresta. Antes das grandes tempestades percorre a floresta batendo nos troncos das árvores certificando-se de sua resistência e avisando aos animais para se abrigarem. Assemelha-se em suas atribuições à Diana dos romanos e à Ártemis dos gregos, protetoras dos bosques e da caça, inclusive fazendo parte do cortejo lunar ao lado do Saci, do Boitatá e do Uratau.

Seu nome vem do tupi curu, menino e pira, corpo: corpo de menino. É mais conhecido por esse nome na Amazônia, no Maranhão e no Sudeste do Brasil, exceto Espírito Santo. Entidades semelhantes são conhecidas como Caapora ou Caipora, no Nordeste do Brasil e Espírito Santo; Kilaino, no Mato Grosso; Maguare, na Venezuela; Selvaje, na Colômbia; Chudiachaque, no Peru; e Kaná, na Bolívia. Também guarda semelhanças com o mito eslavo do Leshy.

Gravura de Ernst Zeuner, 1963.
Entre os mitos brasileiros, o Curupira é incontestavelmente o mais antigo, possivelmente legado pela população primitiva que habitou o Brasil no período pré-colombiano e que descendia dos invasores asiáticos, tendo passado dos Nauas aos Caraíbas e destes aos Tupis e Guaranis. A mais antiga menção de seu nome foi feita pelo padre José de Anchieta, quando ele escreveu sobre os medos "indígenas", em carta de 30 de maio de 1560:
"É coisa sabida e pela boca de todos corre que há certos demônios que os brasis chamam de Curupira, que acometem aos índios muitas vezes no mato, dão-lhe de açoites, machucam-nos e matam-nos. São testemunhas disto os nossos irmãos, que viram algumas vezes os mortos por eles. Por isso, costumam os índios deixar em certo caminho, que por ásperas brenhas vai ter ao interior das terras, no cume das mais alta montanha, quando por cá passam, penas de aves, abanadores, flechas e outras coisas semelhantes, como uma espécie de oblação, rogando fervorosamente aos Curupiras que não lhes façam mal."

Por ser um mito difundido pelo Brasil inteiro e por parte da América do Sul, suas características físicas variam bastante. Porém, é comumente representado como um moleque (ou um anão) de cabeleira ruiva (vermelha ou alaranjada), orelhas pontudas, dentes verdes, pés invertidos: dedos para trás e calcanhar para frente. Às vezes, sua pele também é descrita como esverdeada e seu cabelo como fogo. Em alguns casos, é calvo, em outros, tem um casco de jabuti. Em algumas regiões do Norte brasileiro, o Curupira não possui órgãos sexuais e possui dentes azulados.


O Curupira gosta de sentar na sombra das mangueiras para comer os frutos. Lá fica entretido ao deliciar cada manga. Mas se percebe que é observado, logo sai correndo, e numa velocidade tão grande que a visão humana não consegue acompanhar. Costuma encantar crianças pequenas para morar com ele nas matas. Após ensinar os segredos da floresta por sete anos, devolve os jovens para a família.

No entanto, não tem um gênio bom e é também chamado de espírito da mentira. Seus pés virados deixam rastros falsos no chão, iludindo viajantes e caçadores. Também os confunde com assobios e sinais falsos até eles se perderem. Persegue, tortura e pode até matar os caçadores que atiram em animais sem necessidade ou animais em procriação e amamentação. Quando não morrem, ficam abobalhados para sempre. Lenhadores que derrubam árvores de forma predatória também são alvos de suas travessuras.

Pode, contudo, ter contatos amistosos com alguns caçadores, dando-lhes armas e transmitindo certos segredos que, quando revelados, são fatalmente punidos. Isto é feito em troca de comida ou presentes, como fumo e pinga, porque, na verdade, era bem fácil distrai-lo. Para conseguir fugir dele é só fazer um novelo de cipó bem emaranhado e esconder a ponta de forma que o Curupira não a consiga achar. Por ser muito curioso, o Curupira se esquece de seu alvo e fica tentando desemaranhar o novelo.

NUNCA ESQUEÇA UMA CONDIÇÃO...
Uma história conta que o Curupira resolveu comer o coração de um caçador que havia matado um macaco. O esperto caçador entregou ao Curupira um pedaço do coração do macaco, que provou, gostou e quis comer tudo! Pensando em se safar o caçador disse que só daria tudo se o Curupira desse um pedaço de seu coração para ele. Como a entidade acreditara que tinha comido o coração do caçador, pegou uma faca, enterrou em seu peito e tombou sem vida.

O caçador disparou, então, pela floresta e prometeu a si mesmo nunca mais voltar. Durante um ano, não quis saber de entrar na mata, dizendo que estava doente quando lhe perguntavam por que não saía mais da aldeia. Até que sua vaidosa filha pediu o mais diferente colar já visto e o caçador pensou que os dentes do Curupira dariam uma bela joia. Partiu para a floresta e encontrou o esqueleto do gênio encoberto por mato no mesmo lugar onde havia morrido com os dentes verdes brilhando como esmeraldas. Começou, então, a bater com ele no tronco de uma árvore, para que se despedaçasse e soltasse os dentes. Imaginem a sua surpresa quando, de repente, o Curupira voltou à vida! Exatamente como antes, como se nada tivesse acontecido! Por sorte, o Curupira acreditou que o caçador o ressuscitara de propósito e lhe deu um arco e flecha mágicos que nunca errava o alvo. Porém, tinha uma condição: jamais alvejasse uma ave ou animal que estivesse em bando, pois ele seria atacado e despedaçado.

Mesmo sem o colar, o caçador voltou à tribo se sentindo poderoso. Nunca mais faltou caça para a tribo. Por onde passava, era olhado com respeito e admiração. Até que o orgulho o fez esquecer da única condição dada pelo Curupira e flechou um pássaro voando em bando. Imediatamente foi atacado pelo bando enlouquecido e estraçalhado pelos pássaros. Com pena daquele que o ressuscitara, o Curupira arranjou cera derretida e colou os pedaços do caçador, devolvendo-lhe a vida. O gênio avisou que essa seria a única vez que ele poderia ajudá-lo e ele nunca mais poderia beber ou comer coisas quentes para não derreter a vela. Feliz e agradecido voltou para a aldeia sem nada dizer e levou uma vida normal durante muito tempo. Até o dia em que sua mulher preparou uma comida tão apetitosa, que ele não aguentou esperar esfriar e acabou derretendo por inteiro.

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