quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Até

Até (Atea) é a deusa grega do erro, da fatalidade, personificação das ações irreflexivas e suas consequências. Tipicamente, faz referência aos erros cometidos tanto pelos mortais como pelos deuses, normalmente devido a sua companheira Húbris, o excesso de orgulho, que lhes levam a perdição ou a morte. No entanto, em muitas situações, alerta os homens de suas desatenções, sendo assim um divindade considerada sábia.

Até vivia no Olimpo, mas foi banida por Zeus após ajudar Hera a prejudicar o nascimento de Hércules e passou a viver entre os mortais. Divindade alada, leve e ágil, seus pés apenas roçam a cabeça dos  homens sem que eles percebam. Todas ações desleais dos mortais são atribuídas a sua insidiosa influência. Em grego antigo, até significa "ruína", "insensatez", "engano", e hoje, palavra fraude significa "aquilo que vem de Até".

Seu banimento do Olimpo é uma metáfora do erro humano: como se no momento que saiu do Olimpo as ações divinas passaram a ter sempre um significado correto e somente a humanidade pode errar. É o famoso "Deus escreve certo por linhas tortas" na versão grega.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

HÉRCULES: Implacável perseguição

O nascimento de Hércules, ilustração de
Jean Jacques François Le Barbier
Por ser deusa do casamento, Hera não podia ser condescendente com as traições de seu marido. Sendo assim, seu ciúme resultava em constates maus tratos às amantes e bastardos de Zeus. Quando o deus declarou que o primeiro filho nascido dentre os Perseidas (descendentes de Perseu) se tornaria o rei que dominaria os irmãos*, Hera antecipou em dois meses o nascimento de Euristeu - filho do perseida Estênelo com Nicipe - que veio a se tornar Rei de Micenas, Mideia e Tirinto.
* Alguns registros dizem que Zeus ficou furioso com os atos de Hera. Assim que viu sua esposa conversando com Até, deusa da fatalidade e das ações impulsivas, percebeu que havia sido enganado: pegou a deusa alada pelos cabelos e a arremessou para fora do Olimpo, nunca mais podendo retornar.
Além disso, a deusa enviou sua filha Ilítia* como parteira para dificultar o parto e aumentar as dores de Alcmena e pediu às Parcas para retardarem o nascimento do filho de Zeus (elas se sentaram na porta da jovem de braços e pernas cruzadas). Somente após uma jovem tebana chamada Galintia enganar as Parcas e Ilítia dizendo que o bebê nascera, que Alcmena, enfim, conseguiu dar à luz, após dez meses de gestação, tanto a Alcides, filho de Zeus, quanto a Íficles, filho de Anfitrião.
* Ilítia, deus do parto pode não ser filha de Hera, mas sim uma instância em particular da própria rainha dos deuses.
Alcmena ficou tão assustada por estar metida no meio de uma briga entre deuses que abandonou Alcides fora de Tebas. Zeus pediu que Atena levasse Hera a encontrar o bebê e, sem reconhecê-lo, a deusa apiedou-se e o amamentou, salvando sua vida inconscientemente. Posteriormente, Atena devolveu o bebê a Alcmena, que decidiu criá-lo. Uma outra versão desta história conta que Zeus pediu a Hermes a para fazer Hera amamentar o bebê. O deus esperou que ela dormisse e levou Alcides ao seio divino, que começou a se amamentar como planejado, mas, depois de um tempo, sugou com tanto força que acordou a deusa. Assustada, Hera empurrou Alcides: um esguicho saiu de seu seio e criou a Via Láctea, enquanto as gotas que pingaram na terra se transformaram em flores-de-lis. Alcides não bebeu o suficiente para se tornar imortal, mas ganhou força descomunal e resistência sobre-humana.

A origem da Via Láctea, óleo sobre tela de Tintoretto, 1575-80.

Héracles infante, de Innes Fripp.
Alcides teve que se defender das perseguições de Hera desde sua tenra infância. Depois do episódio da amamentação, ela o transformou em seu principal alvo. Zeus nomeou sua filha Atena protetora de seu meio-irmão semideus. Ela mandava sua coruja da sabedoria abanar o berço nas noites quentes de verão.

Certo dia, a coruja foi atrás de um rato que estragara o bordado mais fino de Atena, mas não sem antes falar para Alcmena proteger as crianças. Ela colocou doze bordadeiras no quarto. Porém, assim que elas adormeceram, Hera enviou duas terríveis serpentes com escamas azuis e olhos flamejantes para envenenar a criança adormecida. No entanto, pela manhã, o choro do bebê Íficles e a gritaria das criadas levou Anfitrião de espada em punho e Alcmena desesperada ao quarto dos dois, onde encontraram Alcides sentado, gargalhando e segurando as duas serpentes que ele estrangulara com as próprias mãos. Foi a prova final para Anfitrião acreditar na origem divina da criança. Inclusive, alguns estudiosos creem que foi Anfitrião que levou as serpentes aos berços para saber qual das duas crianças era o filho de Zeus.

Hércules estrangula as cobras na frente de Anfitrião e Alcmena, fragmento de afresco em Pompeia.

Com olhos orgulhosos e força descomunal, cresceu tão alto que confundia-se a gigantes (dizem 3 metros!). Gostava de correr sob as estrelas, aprendeu a refletir e também a lutar. Porém, seu temperamento agressivo criou inúmeras situações constrangedoras e trágicas.


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segunda-feira, 7 de setembro de 2015

HÉRCULES: Genealogia divina

Antigas histórias colocam Zeus e Io como pais de Hércules, mas, na versão clássica, ele é filho do deus com a princesa mortal Alcmena (Alcmene), filha de Electrião (Eléctrion), rei de Micenas, que por sua vez era filho de Perseu e Andrômeda. Alcmena era alta e imponente, por muitos considerada a mais sábia e formosa mulher de Micenas. Suas trancas grossas e sedosas emolduravam um rosto encantador e seus longos cílios escuros adornavam olhos grandes e expressivos.

Electrião teve seu poder ameaçado por assaltantes da Táfia (os teléboas, homens com voz de trovão) que roubaram o gado e lhe mataram seus nove filhos homens. Seu sobrinho Anfitrião, general de Tirinto, encontrou o gado a salvo nos campos do rei da Élida e o comprou. Quando Electrião soube que ele teve que pagar para voltar a ter seus animais, ficou furioso com o sobrinho. Anfitrião atirou sua clava em um touro com tanta força que ela ricocheteou e acertou Electrião, matando-o.

Banido do reino, levou sua amada prima Alcmena para se casar em Tebas, onde foi purificado pelo Rei Creonte. A jovem aceitou o pedido com a condição de que o noivo deveria primeiro vingar seus irmãos mortos. Creonte aceitou ajudar Anfitrião se ele libertasse Tebas da Raposa de Têumesso, um animal sanguinário que, para conter sua selvageria, recebia mensalmente dos tebanos uma criança do sexo masculino para devorar. Como a raposa era protegida de Poseidon e jamais poderia ser pega, Anfitrião pediu para Céfalo, rei de Atenas, emprestar-lhe Lélape, o cão de Zeus que jamais perdia uma presa. Na disputa entre o animal que não pode ser pego e o animal que não perde sua presa, Zeus decidiu transformá-los em pedra e ascendê-los às constelações de Cão Maior e Cão Menor. Anfitrião teve, então, seu exército para se vingar dos teléboas.

Foi justamente quando Anfitrião se encontrava ausente, no cumprimento da tarefa imposta pela noiva, que Zeus pôs em marcha seu plano para seduzir Alcmena (que, em grego, significa “assediada por dois”) e dar ao mundo um herói como jamais houvera, aquele que uniria os Estados Helênicos. Metamorfoseado como Anfitrião, Zeus apresentou-se à jovem contando-lhe detalhes da batalha empreendida, dos golpes certeiros e apresentando como prova definitiva de sua identidade a taça de ouro utilizada pelo monarca derrotado, a qual inclusive ofertou à amada. Durante três dias consecutivos, Helios não percorreu o céu com o carro do sol, e durante essa longa noite - na qual a deusa da lua Selene permaneceu em atividade -, o deus dos deuses amou ardentemente Alcmena. Nesse período, Hermes pediu para Hipnos colocar o mundo todo para dormir e, assim, não suspeitar da longa noite. Depois, metamorfoseado em Sósia, um escravo de Anfitrião, Hermes guardou o portão.

Alcmena e Zeus. Gravura de Nicolas-Henri Tardieu.

Ao retornar, Anfitrião estranhou a reação da noiva, que o tratou com relativa indiferença, visto que esta acreditava já tê-lo encontrado nas noites anteriores. Anfitrião consultou o adivinho Tirésias que lhe revelou o ocorrido*. Irado, colocou Alcmena numa enorme pira e ateou fogo, mas foi detido por uma chuva torrencial enviada por Zeus para apagar as chamas. Compreendendo o sinal divino, Anfitrião reconsiderou e casou-se com Alcmena.
* Em inglês, padrinho é godfather. Esse termo pode ter vindo desse mito, uma vez que a primeira noite de núpcias competiu ao deus e, portanto, o primogênito não pertence ao pai biológico.
Essa compreensão acabou por transformar Anfitrião numa personificação do bom acolhimento. De marido traído e pai não-reconhecido, o rei se tornou aquele capaz de suportar as dificuldades das missões divinas impostas.

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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Arte ao Lado

No meu blog pessoal, criei um projeto para divulgar arte. Identifiquei pessoas ao meu redor entre amigos, familiares e conhecidos que estavam envolvidos com arte e escrevi sobre processos criativos e expressões artísticas.

Dentre o grupo escolhido, estava uma ex-aluna minha, Letícia Vicentini, que só fez crescer seu talento. Para escrever e ilustrar a postagem, eu precisei olhar alguns trabalhos dela e encontrei essas duas aquarelas:


Gostou? Então, veja AQUI as belezas que ela faz. Vale a pena! E se quiser ver outras postagens desse projeto, clique aqui.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

HÉRCULES: Em nome da glória

Hércules de Farnese, estátua em mármore de Glykon. 216 a.C.
Hércules é o nome em latim dado pelos antigos romanos ao herói da mitologia grega Héracles, o mais célebre de todos os heróis. Pode ser uma modificação do nome do herói etrusco Hercle. Um juramento invocando Hércules (Hercle! ou Mehercle!) era uma interjeição comum no latim clássico. Héracles - que significa “em glória à deusa Hera” ou "aquele que serve gloriosamente" - foi o nome que ele usou para apaziguar a fúria da deusa, mas só foi efetivamente considerado após o término dos famosos trabalhos.

No entanto, o nome real do famoso herói é Alcides, em homenagem a Alceu, pai de Anfitrião e filho de Perseu. Em grego, alké significa vigor, e alkéides, força em ação.

Era um símbolo do homem em luta contra as forças da Natureza, exemplo de masculinidade e ancestral de diversos clãs reais (os Heráclidas). Tornou-se renomado por deixar o mundo mais seguro, um paladino da ordem olímpica contra os perigosos monstros ctônicos.

Em obras de arte greco-arcaicas, romanas, renascentistas e pós-renascentistas, Hércules pode ser identificado por seus atributos, como a barba, a pele de leão e a clava. Em alguns mosaicos, era mostrado com a pele bronzeada, quase negra, um aspecto considerado viril. Foram encontradas representações imberbes do herói feitas no século IV, quando sua popularidade foi reduzida e seu lado humano mais explorado.


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domingo, 30 de agosto de 2015

Toda saga de Hércules

É a Héracles, filho de Zeus, que vou cantar,
ele que é de longe o maior dentre os que habitam a terra.
Aquele a quem Alcmena, na Tebas de belos coros,
deu a luz, após unir-se ao Crônida de sombrias nuvens.
Errou e sofreu, primeiro, sobre a terra e no mar imensos;
em seguida triunfou, graças à sua bravura,
e, sozinho, executou tarefas audaciosas e inimitáveis.
Agora, habita feliz a bela mansão do Olimpo nevoso
e tem por esposa a Hebe de lindos tornozelos.

Hino de Homero a Herácles
Hércules barbudo coberto por pele de leão.
Estátua romana de mármore, séc. I.
Metropolitan Museum of Art, EUA.
Homero escreveu em oito versos o que fico prometendo desde que comecei esse blog em janeiro de 2010: contar a história de Hércules. Então, inspirado pelo interesse do meu sobrinho de 4 anos, posso dizer: chegou a hora finalmente!

Foram meses de pesquisa para chegar a um resultado satisfatório, pois é extremamente difícil encontrar uma ordem racional e cronológica coerente nesta saga épica que evoluiu ininterruptamente, da época pré-helênica à antiguidade greco-romana. Creio que ainda encontrarei muita coisa interessante e farei as devidas atualizações caso isso aconteça.

A partir de amanhã toda a saga do herói mais famoso das mitologias aparecerá aqui no blog às segundas-feiras. Do nascimento à morte, passando pelas serpentes do berço, pelos Doze Trabalho (é claro)... e olha... tem tanta história legal que só deve acabar em 2016!!!

PS.: Um agradecimento a Renato Kress e sua extensa biblioteca (e sabedoria).


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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O Boto

boto cor de rosa

Muita gente conta que viu. Algumas mulheres dizem até que dançaram com ele. A verdade é que todas suspiram quando falam seu nome. É o Boto, o mito encantador que adora a noite e as festas à beira dos rios da Amazônia. Durante o dia, é um mamífero aquático. Às primeiras horas da noite, ele sai da água e se transforma em um rapaz forte e bonito, vestido de branco e um chapéu que nunca tira para não mostrar o orifício por onde respira, no alto da cabeça.

Em seguida, o Boto parte para conquistar o coração de alguma mulher. Não é difícil: ele é simpático, grande dançarino, muito alegre e brincalhão. Tem uma conversa boa que rola como o próprio rio. Depois de dançar e se divertir muito, o Boto vai namorar na beira do rio. Quando chega a madrugada, ele se despede da companheira, pula na água e volta ser um animal. Com muitas dessas namoradas ele tem filhos, mas nunca se interessou por eles. Só quer saber de continuar indo a festas, dançando e conquistando outros corações pelas noites da Amazônia.

Para quem quer conquistar o coração de alguém, nada melhor que um amuleto da sorte feito de olho de Boto seco e preparado por um pajé de alguma tribo amazônica.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Mula sem Cabeça

Lenda com raízes no Brasil colonial, a Mula sem Cabeça é a concubina do padre, que para purgar seu pecado transforma-se em animal na noite de quinta para sexta. Lança chispas de fogo e assombra com seu galope violento e seus relinchos sobrenaturais.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Modjadji

Rainha da chuva dos Lovedu de Transvaal, na África do Sul, Modjadji também conhecida como Mujaji. É chamada em tempos de seca, quando ela usa encantos secretos e a ajuda de espíritos antepassados para fazer chuva e manter a terra saudável.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Ku

A divindade havaiana responsável pela terra e pela guerra era Ku (Tu, na Polinésia). Incentivava a inveja e as brigas entre os humanos, sempre com uma expressão feroz, mas também ajudou a fazer a terra e o primeiro humano, junto com o deus criador Kane (Tane) e seu pacífico colega - e oposto deus da paz - Lono. Era adorado durante oito meses do ano, quando Lono se ausentava do mundo.