Depois de matar dois monstros e trazer vivo um animal dócil como a corça,
Euristeu decidiu que
Hércules deveria capturar com vida o temível javali que devastava as florestas da escura montanha Erimanto, no extremo noroeste da Arcádia. Era um enorme porco selvagem, com grandes presas e um temperamento agressivo que ia destruindo tudo em seu caminho.
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Hércules e o Javali do Erimanto, estátua em bronze de Louis Tuaillon (1904), Berlin. |
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Hércules e Folo, em ânfora pintada, cerca de 520 a.C. |
No caminho para cumprir sua tarefa, o herói encontrou boa hospitalidade na casa de seu amigo
centauro Folo, que lhe ofereceu abrigo e carne cozida (
centauros só comiam carne crua), no Monte Pélion, na Tessália. Durante a ceia, Hércules solicitou vinho a Folo, mas o
centauro hesitou em servi-lo, pois a única garrafa estava prometida como oferenda a
Dioniso. O herói conseguiu convencer o amigo e imediatamente o odor intoxicante do vinho atraiu os outros
centauros das montanhas que queriam saber quem violou o sagrado presente. Armados com paus e pedras, atacaram Hércules num frenesi de raiva. O herói lançou uma saraivada de flechas contra os
centauros, e os poucos que sobreviveram se acuaram e se esconderam na caverna do
centauro Quíron, antigo professor de Hércules. Infelizmente, uma seta envenenada acabou atingindo o imortal Quíron, que sofreu um ferimento incurável. Folo, ao arrancar a flecha do corpo de um
centauro morto, feriu-se no casco e veio rapidamente a morrer dias depois de forma agonizante por causa do veneno da Hidra contido na flecha. Hércules fez-lhe magníficos funerais, enterrando-o na montanha que passou a ter seu nome.
Cheio de remorso, Hércules seguiu para rastrear o javali - o que não foi muito difícil pois o som do bufar e do bater dos cascos era audível em toda a floresta. Perseguiu o animal até encurralá-lo nos picos nevados do Monte Erimanto, onde aproveitou o terreno escorregadio para desequilibrá-lo e derrubá-lo. Com o javali desacordado, amarrou-o e o levou até o palácio de Euristeu, que, assustado ao ver o animal no ombro do herói, foi se esconder dentro de um caldeirão de bronze.
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Hércules, o javali e Euristeu em ânfora pintada, cerca de 525 a.C. |
O simbolismo do javali é antiquíssimo e está ligado à autoridade espiritual que desenterra do âmago seus nutrientes, assim como o animal tira raízes de árvores para se alimentar. Apoderando-se do poder espiritual, Hércules deu mais um passo em seu rito de perdão.
A leitura em sequência dos trabalhos de Hércules vem pouco a pouco expondo o lado mais humano do herói. Nesse caso específico, o voluntarismo, que o faz exigir um vinho dedicado a outro deus, não medindo consequências, mesmo que ela seja a morte (ainda que acidental) do próprio Quiron.
ResponderExcluirNão é a toa que as teorias psicanalíticas bebam na Mitologia grega para analisar comportamentos humanos.