Em nenhum outro país da Europa a crise econômica é tão dramática, e em nenhum outro país do mundo a herança cultural é tão antiga e vasta: o que está em perigo na Grécia é patrimônio mundial. [...] O legado de milhares de anos está ameaçado, alerta a Associação Grega de Arqueólogos num apelo internacional contra a redução de orçamento, pessoal e condições.
Os arqueólogos dão exemplos de como a segurança tem sido afetada pelos cortes. Em janeiro, um Picasso e um Mondrian foram levados da Galeria Nacional de Atenas: os ladrões entraram pela varanda, durante uma greve de funcionários. Em fevereiro, dezenas de peças "de valor incalculável" foram roubadas de um museu em Olímpia, o lugar original dos Jogos Olímpicos: os ladrões destruíram o alarme e amarraram uma funcionária. [...]
"Os povos da Europa partilham o mesmo destino", resumem os arqueólogos. "As mesmas medidas de austeridade que estão a desfazer a Grécia e os seus monumentos vão ser impostas pela Europa. A cultura é o nosso território comum e o nosso destino comum. Resistam!"
O apelo foi lançado em abril, conta ao Globo a presidente da associação, Despina Kutsumba, de 38 anos.
— Até agora não tivemos resposta do ministério (Helênico da Cultura e Turismo). Durante dois anos tentamos explicar ao governo que estes cortes levariam ao desastre, mas eles não entenderam nada e continuaram. Depois do roubo de Olímpia decidimos fazer o apelo internacional para os constranger.
Além de mensagens no Facebook, as reações estrangeiras incluem "uma carta de apoio de Jack Lang", ex-ministro francês da Cultura.
— Não pedimos dinheiro, pedimos que pressionem o nosso governo — explica Despina. — De acordo com a constituição, os monumentos são responsabilidade do governo. E agora até a Acrópole e o Museu Arqueológico de Atenas fecham às três da tarde porque não temos guardas. Há tantos turistas, e eles não podem ver as coisas, e não teremos o dinheiro desses bilhetes.
No horário de verão, como o que vigora atualmente museus e sítios arqueológicos na Grécia fechavam às 19h. Até essa hora, a qualquer dia da semana, havia sempre gente em volta do Partenon, o mais célebre monumento da colina da Acrópole.
Enquanto isso, milionários aproveitam a crise.
— Não é verdade que não estejamos a proteger os nossos monumentos, embora o governo diga que os funcionários não fazem o seu trabalho, mas nós, arqueólogos, não nos podemos proteger dos colecionadores ricos que encomendam coisas da Grécia — diz Despina. —Temos a certeza de que o roubo de Olímpia foi uma encomenda de um colecionador privado, porque são coisas muito conhecidas, que não podem ser postas à venda no mercado. Os colecionadores estão a pedir que roubem para eles, como aconteceu no Iraque e no Afeganistão. É um tráfico global. Essas pessoas preferem países com guerras, em profunda crise ou pobres. E agora encontrarão gente desesperada para fazer escavações ilegais para eles. São dezenas de buracos por toda a Grécia, todos os meses, feitos por profissionais e gente sem emprego.
O jornalista Nikolas Zirganos, 53 anos, que investigou o tráfico de antiguidades, confirma: [...]
— É alarmante. Nos mosteiros e nas igrejas, especialmente no norte, estão a roubar o dinheiro que as pessoas doam, afrescos e ícones. Há um colapso dos mecanismos do Estado. E num cenário caótico, que é algo em que ainda assim não acredito, e ninguém quer, pergunto-me se há planos de emergência.
"Enterremos as nossas antiguidades para serem encontradas por arqueólogos no ano 10000, quando os gregos e seus políticos tiverem maior respeito pela História", ironizou recentemente o arqueólogo Michalis Tiverios, de Tessalônica, no norte do país.
Ex-responsável pelo restauro do Partenon, que está a ser feito há décadas com financiamentos internacionais, o perito Manolis Korres diz que a crise ainda não afetou os monumentos principais, e o trabalho dos investigadores prossegue.
Divulguem essa informação. Não é só pelo horror do tráfico de antiguidades. É a história da humanidade que está em jogo.