quarta-feira, 9 de junho de 2010

Tefnut

A generosa Tefnut (ou Tefnet, que deve vir de tef, "cuspida" ou "úmida") era a deusa da umidade e das nuvens, podendo estar ligada às chuvas e à fertilidade da terra. Também está relacionada às noites úmidas e à névoa. Foi irmã e esposa de Shu, mãe de Geb e Nut, avó de Osíris, Ísis, Seth e outros. Juntos, Tefnut e Shu tornaram-se o primeiro casal divino, os olhos do deus-sol: enquanto seu irmão afastava a fome, ela afastava a sede.

Existem três lendas sobre sua criação. Na mais comum, ela foi criada a partir da saliva de . Em outra, Rá teria espirrado: o ar era Shu e a umidade era Tefnut. E uma terceira lenda ainda diz que Rá se masturbou e seu sémen deu forma a Tefnut e de sua respiração ofegante surgiu Shu.

Certa vez, com raiva de Rá, Tefnut fugiu para Núbia, abandonando o Egito à seca e findando o Antigo reinado dos faraós. Como leoa, iniciou uma matança. O deus Thoth foi convocado a trazer a deusa de volta para restaurar o brilho do Egito.

Tefnut era retratada de muitas formas, inclusive como mulher com cabeça de leoa, usando uma coroa solar com a serpente uraeus e um ankh (sinais de grande poder), ou uma leoa completa. Raramente aparece somente como uma mulher. É associada ao advento da monarquia, sendo por isso representada como uma serpente a surgir do cetro do faraó. Conta-se também que ela teria construído um lago para o faraó, para que ele lavasse os pés. Nefertiti se dizia encarnação de Tefnut.

Heliópolis foi o centro de seu culto, onde era considerada uma enneade, ou seja, uma das nove divindades originais da criação.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Zu

Tábua com imagem de Zu
Zu era o pássaro das tempestades e a personificação do vento do sul que trazia nuvens carregadas de trovão. Aparecia tanto como pássaro quanto como homem alado com poderosas garras (possivelmente de leão, como um grifo
Certa vez, roubou as Tábuas do Destino e a coroa de poder de Enlil, tornando-se o dirigente do mundo. O poderoso An exigiu que os deuses recuperasse as tábuas. Algumas lendas dizem que todas as divindades temiam o pássaro (considerado um demônio) e somente Marduk conseguiu mata-lo. Outros dizem que o indignado deus da guerra Ninurta aproveitou as nuvens carregadas de Zu para atirar flechas contra ele. Já caído, Zu teve suas asas rasgadas e Ninurta ainda o decapitou, devolvendo, em seguida, as tábuas a Enlil. Por fim, Zu foi levado a julgamento diante do supremo Ea.

Gravura de Ninurta contra o pássaro Zu

Sua versão babilônica - com grandes semelhanças mitológicas - era Anzu. O nome Zeus pode ter derivado deste nome, lembrando que uma águia é o animal sagrado a esse deus grego.

Estudos indicam que Zu poderia ser também um dos demônios Pazuzu dos ventos. Pra quem não está reconhecendo este nome, Pazuzu é o demônio que aparece nos filmes do Exorcista.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Ungambikulas do Tempo do Sonho

Espíritos do Tempo do Sonho, pintura acrílica de Collen Wallace Nungari

A mitologia dos aborígenes australianos gira em torno do Tempo do Sonho. No início, a Terra era plana e escura. Não havia vida ou morte, sol, lua ou estrelas. Todos dormiam embaixo da Terra, junto aos ancestrais eternos. Um dia, o sol se levantou e todos os outros acordaram de sua eternidade para viajar por todo território, fazendo rios e planícies, andando como homens, animais, plantas ou seres híbridos, espalhando guruwari, a semente da vida.

Dois deles - os Ungambikulas, que haviam se criado a partir do nada - começaram a enxergar pessoas parcialmente criadas pelos ancestrais, que jaziam disformes, inacabadas, semitransformadas, híbridas de animais ou plantas. Então, com suas facas de pedra, a dupla começou a esculpir cabeça, corpo e membros terminando a obra. Por essa razão, acredita-se que todo ser humano possui um totem ou animal ou vegetal de onde foi esculpido.

Tudo finalizado, todos os ancestrais voltaram ao Tempo do Sonho. Alguns se transformaram em rochas e árvores para marcar o caminho sagrado que eles uma vez fizeram. O Tempo do Sonho não é só um período da história passada. Ele está sempre presente, manifestando-se em rituais sagrados. Sacerdotes tornam-se ancestrais nessas cerimônias para contar essas viagens pelo território australiano.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Olokun

Olokun (ou Olocum, do iorubá, Olóòkun, "proprietário do oceano") é a divindade iorubá do mar, considerada em Ilê-Ifé (Nigéria) e no Brasil como do sexo feminino, e em Benin como do sexo masculino. Na verdade, sua força é ainda maior ao ser considerada a divindade das águas do Universo.

Casada com Oduduwa, Olokun era triste e infeliz e se largou na escuridão ao se separar. Pediu, então, para Olodumaré transformá-la em água. O deus - que já vagava pelo mundo quando somente havia pedras e fogo - transformou o vapor das chamas vulcânicas em uma grande quantidade de nuvens que se precipitaram sob a forma de chuva: era Olokun, que ocupou os espaço da Terra e formou os oceanos. Poderosa, tornou-se Rainha dos Iorubás. Dizia-se que morava no fundo do mar em um vasto palácio, e que tinha humanos e peixes como criados.

Olukun é, às vezes, representada por uma serpente gigante presa por Obatalá e, uma dia, irá subir a terra e se mostrar aos homens. Portanto, é a escuridão do mar, sombria, dona das ondas e a fúria do oceano, capaz de engolir a Terra. Mas também tinha seu lado bondoso (Olokun Seniade), que, vestida de branca, mandava mensagens de responsabilidade, pureza, respeito, honra e caráter, dançava majestosamente e lançava búzios de riqueza em forma de benção. Em sua versão masculina, vestia-se de corais e cada perna era um rabo de peixe.

Com Olokun vivem dois espíritos: Samugagawa (vida) e Acaró (morte), ambos representados em suas "ferramentas", às vezes, como lagartos. Tem ligações com os eguns (espíritos dos ancestrais), pois têm um papel crítico na morte, na vida e na transição de humanos e espíritos entre as duas existências.

Uma lenda conta que Olokun e Olorun eram casados e criaram tudo. Mas se separaram numa disputa de poder e viveram em guerra (separação do céu e da terra). Certa vez, Olokun invadiu a Terra para destruir a humanidade e demonstrar seu poder (dilúvio?). Olorun salvou parte da humanidade lançando uma corrente para os homens subirem. Com essa mesma corrente, Olorun atou Olokun ao fundo do mar. Olokun mandou uma gigantesca serpente marinha engolir a lua, mas Olorun disse que sacrificaria um humano por dia para acalmar a deusa. Assim, todo dia uma pessoa se afoga no mar.

No Brasil, é comparado a Iemanjá, mas, Iemanjá representaria o mar cristalino e visível, de beleza inimaginável, enquanto Olokun representaria o mar desconhecido, escuro, do fundo do oceano. Alguns terreiros a consideram mãe de Iemanjá e a homenagem nas festas de sua filha, mas não se incorpora. Iemanjá assumiu seu papel como deusa do mar. Na Nigéria, Iemanjá é uma divindade do Rio Ogun, enquanto Olokun é a mãe de todas as águas. Em Cuba, diz-se que é andrógino, casado com 11 olosas e olonas (espíritos femininos do mar), pai e mãe de Iemanjá e senhor das profundezas do mar. Suas cores são azul-marinho, negro e branco.

Olokun desempenhava um papel importante na religião iorubá: vinha logo depois de Orixála, o deus criador em pessoa, relação semelhante a Zeus e Poseidon na mitologia grega. Também tinha relação com Oiá (divindade da mudança repentina). Era padroeiro dos descendentes de africanos levados para as Américas. Oferecem-lhe milho cozido com alho, cebola e manteiga, feijões, doce de coco, melado, inhame cozido, carne de porco, bananas verdes fritas e outras iguarias envolvidas em pano azul e levadas ao mar dentro de uma cesta. Recebe sacrifícios de galo branco, frangos, pombas, ganso, pato e da tartaruga Jicotea.

São inúmeras suas associações:

  • um grande jarro de barro ou cerâmica, de cor preta ou azulada, onde seus atributos são encontrados vivos na água do mar
  • representações náuticas, como barcos, lemes, âncoras, correntes etc.
  • uma sereia com uma cobra em uma mão e uma máscara na outra
  • conchas, cavalos marinhos e estrelas do mar
  • tudo sobre o oceano feito de chumbo e prata

quinta-feira, 27 de maio de 2010

O mito de Perseu

Estátua em mármore de Perseu segurando a cabeça de Medusa.
Antonio Canova, 1800 (Museu do Vaticano)

O Rei Acrísio de Argos era pai da linda Danae, mas estava desapontado por não ter um herdeiro homem. Foi consultar, então, o Oráculo de Delfos e soube jamais teria um filho homem e que seu neto o mataria. Por isso, trancou Danae numa torre de bronze (ou masmorra), onde ninguém poderia encontrá-la. Mas Zeus - já apaixonado pela princesa - foi até ela em forma de chuva de ouro. Desse encontro, Perseu nasceu escondido pela ama de Danae. Ao saber do ocorrido pelo choro do recém-nascido, Acrísio matou a serviçal, enfiou Danae e seu neto numa urna e jogou-os ao mar. Protegida por Zeus, a urna foi levada à ilha de Serifo e encontrada pelo pescador Dictis, irmão do Rei Polidectes, que os acolheu como familiares. Perseu teria estudado com os sábios centauros e se tornado um forte e belo rapaz que protegia sua mãe de forma ciumenta.

O Rei Polidectes enlouqueceu de paixão por Danae em visita a seu irmão Dictis. Temendo o filho semideus, Polidectes enviou Perseu secretamente para Líbia (África) com intuito de matar a górgona Medusa como presente a ele, na esperança de que ele perecesse na expedição, uma vez que a górgona podia transformar uma pessoa em pedra com um olhar. Algumas histórias contam que, na verdade, Perseu teria oferecido trazer a cabeça da Medusa como presente a ele e Polidectes teria aproveitado a oportunidade para tentar se livrar do jovem.

Perseu pediu ajuda aos deuses: Hermes deu-lhe sandálias aladas e sua espada feita por Hefestos, Hades emprestou-lhe o capacete da invisibilidade e Atena entregou-lhe seu escudo polido. O jovem guerreiro voou até a caverna da górgona com as sandálias aladas e, com auxílio do capacete, enganou as Gréias que guardavam a entrada. Ainda com o capacete, Perseu se aproximou de Medusa sem que ela percebesse, usando o escudo de Atena como um espelho, de modo que não precisou olhar diretamente para Medusa. Do corpo morto, nasceu Pégaso e Crisaor.
Algumas lendas dizem que as armas de Perseu foram dadas por ninfas e não pelos deuses, e seriam uma capa da escuridão, uma bolsa de couro capaz de guardar a cabeça e botas aladas. Hermes teria guiado Perseu em sua jornada e teria emprestado uma foice para decapitar a górgona. Atena - ainda raivosa da górgona (explico melhor depois ) - teria aparecido com um espelho de bronze para ajudá-lo. Nessa lenda, por causa da bolsa, não há respingos de sangue e, portanto, não há serpentes. Pégaso também não é cavalgado, pois as botas aladas são o transporte.
Gravura de Perseu e Andrômeda
com o monstro morto
Perseu, então, cavalgou Pégaso para retornar a Grécia e encontrou o gigante Atlas que não queria permitir sua passagem. Perseu petrificou o gigante e, no embate, algumas gotas do sangue de Medusa caíram no deserto africano e se transformaram em víboras venenosas. Em seguida, o herói passou pelo rochedo onde Andrômeda fora acorrentada nua. Ela era a filha mais velha do Rei Cefeu e da Rainha Cassiopéia da Etiópia que tivera a temeridade de se julgar mais bela que Hera. Sempre vingativa, a deusa pediu que Poseidon liberasse um horrível monstro para devastar o reino de Cefeu. Algumas lendas, dizem que a ofensa de Cassiopéia foi ao próprio Poseidon, dizendo-se mais bela que as ninfas do mar.

Consultado o oráculo de Ammon, Cefeu soube que era preciso sacrificar Andrômeda ao monstro marinho. Persuadido da inocência de Andrômeda, Perseu livra-a dos grilhões e petrifica parte do monstro com a cabeça da Medusa, facilitando o trabalho de sua espada. Querendo desposar Andrômeda, Perseu ainda teve que utilizar da górgona para petrificar o pretendente Fineu e seus seguidores. De volta com Andrômeda em seus braços, Perseu entregou o presente a Polidectes que, incrédulo, abriu a encarou a górgona, tornando-se um rochedo. Em seguida, Perseu consagrou a cabeça da górgona a Atena, que pediu a Hefestos para fixá-la em seu escudo.

O herói levou Andrômeda e Danae para Argos, onde esperavam a reconciliação com Acrísio. Ainda temeroso, o rei fugiu para Tessália sem nem ver seu neto crescido. Participando dos jogos fúnebres do rei da Larissa, Perseu confirmou o Oráculo de Delfos: fazendo um lançamento desastroso, acertou acidentalmente seu avô sem saber que ele estava ali como espectador. Perseu se recusou a governar Argos, deixando-a para seu primo Megapentes, e foi para Tirinto, onde acabou por fundar a cidade de Micenas.

Acredita-se que todo o armamento divino de Perseu seja uma alegoria dos poetas: as asas de Hermes seriam um bom navio; o capacete de Hades seria o segredo dessa expedição mortal; e o escudo seria a grande cautela de Perseu. Modernos escritores dizem que Perseu foi um chefe fenício que teria roubado três cavalos na Líbia que eram chamados de Górgones. Pesquisadores encontram também referência a três navios mercantes que comerciavam na costa africana e teriam sido tomados pelo corsário Perseu. O monstro marinho teria sido um pirata que quis roubar a filha de Cefeu. Perseu venceu o pirata em um combate naval.

E OS FILMES, AFINAL?
  • Vê-se que é fundamental que Danae saia viva da urna, pois ela é o alvo da paixão louca que engatilha a expedição de Perseu. No filme de 81, a expedição é um teste divino, enquanto, no novo filme, é preciso matar o Kraken.
  • Interessante ver que, na mitologia, Perseu PEDE ajuda aos deuses, enquanto, em ambos os filmes, os deuses DÃO ajuda espontaneamente.
  • Pégaso realmente nasceu após a cabeça cortada da górgona. As sandálias aladas de Hermes foram substituídas por Pégaso, que realmente fica bem melhor na telona. Mas porque escorpiões e não as serpentes da mitologia? Afinal, serpentes fazem mais sentido se você pensar na estética da Medusa. É bem verdade que os escorpiões ficaram ótimos na telona também.
  • O capacete da invisibilidade (ou capa da escuridão) é o melhor presente. No filme de 81, ele precisou ser perdido, se não ia ficar fácil matar a Medusa no cinema. No novo filme, nem sinal do capacete, até porque Hades era o grande vilão e ele não iria dar um presentinho desses pra Perseu. Aliás... eu tinha dito que Hades não tinha participação nenhuma no mito de Perseu... me enganei e vou corrigir lá.
  • As gréias que guardavam a entrada do templo de Medusa são as bruxas de um olho só do filme. Eles nunca tiveram poderes precognitivos... falarei delas e de Medusa depois. No filme de 81, quem protege o templo é Dioskilos, um cão de duas cabeças - do qual não tenho referências.
  • Confirmado que o templo de Medusa não tinha relação com o Rio Estige no Mundo Subterrâneo. Mas poderia ser uma metáfora dos filmes a essa expedição mortal secreta. O templo pode ser na Líbia ou em Cabo Verde, ainda estou pesquisando melhor sobre isso e falarei mais quando falar da górgona.
  • Fiquei com a impressão de que Perseu cruza sem querer com Andrômeda na mitologia, o que difere totalmente dos filmes, quando ela chega a ser protagonista. O problema é que Líbia, Etiópia e Cabo Verde são distantes no mapa e ficaria difícil de entender esse percurso. Pelo menos, no filme de 81, eles falam que a ação ocorre em Jopa, na Fenícia, civilização que pode ter relações com a Líbia ou com os escritos modernos desse mito.
  • É possível que o enorme monstro seja uma baleia responsável por ondas gigantes, e não o Kraken, uma vez que o monstro é teria sido transformado na constelação de Baleia após sua petrificação.
  • Acrísio realmente morre pelas mãos de seu NETO Perseu, mas não como Calibos do novo filme.
  • Alguns historiadores dizem que a palavra "herói" deriva de um filho da deusa Hera. Herói teria sido um guerreiro de inúmeros feitos ilustres que ganhou um culto distinto dos deuses. Não consistia em sacrifícios e libações, mas numa espécie de pompa fúnebre onde se celebravam seus grandes feitos. É bem possível que isso tenha sido o mote para o roteiro de guerra entre deuses e homens do novo filme.
  • Viram que não existe Draco, Ixas, Eusébio, Io, Calibos, Talos, Bubo...?
  • No filme de 81, Ammon é guia de Perseu. No novo filme só vi esse nome nos créditos, mas nem vi. Agora a gente sabe que Ammon era um oráculo.