Há semelhanças entre as muitas histórias que falam sobre a criação do universo e da humanidade, batalhas divinas, a destruição do cosmo, dilúvios, deuses ardilosos e aventuras heróicas. O que é dito como bem e mal difere de uma sociedade para a outra, mas todas as mitologias incluem seres que trazem dor e problemas às pessoas, assim como aquelas que as protegem e confrontam. Um monstro maligno será derrotado pela coragem, força e astúcia, onde as ações dos heróis e vilões servem para mostrar aos povos os benefícios de escolher entre o comportamento o bom e o mau, a recompensa e o castigo.
Em geral, os mitos da criação do mundo e do universo começam com o caos, uma escuridão vazia e infinita. Desse vazio surgem ou o criador primevo (como o deus egípcio Ptah ou a deusa finlandesa Ilmater) ou dois seres primordiais. São esses criadores que dão forma ao universo, ordenando o movimento das estrelas, da Lua, e criando a Terra de variadas maneiras. Por sua vez, os primeiros criadores cedem lugar a outras divindades, que continuam o processo de criação, fazendo as plantas, os animais e a raça humana.
O ovo cósmico
Antes da criação do universo, as divindades primevas permanecem inertes, à espera do momento inicial. Os mitos falam muitas vezes de deuses ou de forças criativas confinados dentro de um imenso ovo cósmico que parte ao meio no devido momento. Uma das metades forma o céu e a outra se torna a terra. Os criadores saem da casca e começam a dar à luz outros deuses, ou a criar a humanidade. Os chineses, os astecas, o povo dogon da África e diversas tribos do Pacífico possuem variações desse mito. O criador chinês Pan Ku, por exemplo, morre depois de tremendo esforço para separar o céu da terra, mas Rangi e Pao, o céu e a terra dos maori, sobrevivem e produzem divindades e seres humanos.
Um antiga pintura da Ilha de Páscoa feita em uma pedra, mostra um deus com cabeça de pássaro segurando o ovo cósmico.
A serpente do mundo
Às vezes é dito que que as forças fantásticas envolvidas na criação do mundo foram geradas por um poderoso animal mítico, como a Serpente do Mundo. Essa serpente colossal habitaria as profundezas do oceano e conteria energia criativa em seu corpo fabuloso. Um mito egípcio nos conta como a serpente Amduat foi a fonte de toda a criação, uma vez que o deus-sol nasceu de seu corpo. A Serpente do Mundo pode ser incubada no ovo cósmico, como acontece na antiga lenda grega de Ófion, ou pode ser a Cobra Arco-Íris, criatura comum tanto em mitos africanos quanto australianos - uma criadora de animais ou de rios e oceanos. Na mitologia hindu, Vishnu está descansando sobre a serpente Ananta quando uma flor de lótus surge de seu umbigo. A flor desabrocha e o deus Brahma criador surge de dentro dela.
Nesta pintura asteca, vemos o deus Tezcatlipoca usando o seu pé como isca para tirar a Serpente do Mundo do fundo do mar. O monstro se feriu e de seu corpo foi feita a terra.
A formação do cosmo
O primeiro ato da criação - a ruptura do ovo cósmico ou o nascimento do criador primevo - pode ocorrer de forma rápida, mas o restante da criação em geral se dá durante um longo período. O processo às vezes envolve muitas gerações de deuses e deusas, cujas famílias acabam formando grandes panteões. A terra, então, torna-se habitável com a criação de rios, oceanos, plantas e animais, antes que seja criada a humanidade. Em muitas mitologias, o processo de criação é repetido sem descanso por muito tempo. Mitos astecas e dos índios norte-americanos falam de uma sucessão de diferentes eras, nas quais o mundo é recriado num ciclo interminável, sempre repetido com ligeiras variantes. Esses atos de criação produzem uma espantosa variedade de mundos mitológicos. Em muitos mitos africanos, os quatro pontos cardeais tinham grande importância e estavam associados aos elementos (água, terra, ar e fogo), explicando porque o universo é como é.
Povoamento do mundo
Quase sempre o ser humano aparece relativamente tarde no processo de criação. Pode-se dizer que a chegada da humanidade é uma idéia que chega após o trabalho prioritário de criar o cosmo e as divindades. Em geral, é um ato deliberado de deuses e deusas, que pode ser descrito por meio de alguma atividade humana familiar. Por exemplo, em muitos mitos africanos, os deuses moldaram a primeira pessoa do barro, como se fosse um pote de cerâmica. A mitologia chinesa descreve o surgimento do primeiro ser humano de modo parecido. Às vezes, a criação dos humanos é descrita como um acidente resultante de alguma outra ação dos deuses. Na mitologia do Antigo Egito, os humanos foram criados pelas lágrimas derramadas pelo deus-sol quando reencontrou seus filhos Chu e Tefnut. A criação dos índios norte-americanos, descreve as pessoas sendo atraídas para a superfície terrestre vindas do subterrâneo. Os antigos gregos tinham um mito semelhante que dizia que Pelasgo, o primeiro homem, nascera do solo da Arcádia. Existiram até mitos que diziam que a humanidade cresceu como plantas.
Sozinha, a deusa chinesa Nu Wa começou a moldar o homem e a mulher em barro. Em seguida, soprou vida dentro dos moldes e a humanidade começou a se formar.
A questão da tardia criação do homem no universo da Mitologia me remeteu ao "Mito do Cuidado Essencial", de Higino, escravo egípcio de César Augusto, depois diretor da Biblioteca Palatina em Roma e falecido no ano 10 DC
ResponderExcluirConta o Mito:
Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma idéia inspirada. Tomou um pouco do barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter.
Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado.
Quando, porém, Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse imposto o seu nome.
Enquanto Júpiter e Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra. Quis também ela conferir o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material do corpo da Terra. Originou-se então uma discussão generalizada.
De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como árbitro. Este tomou a seguinte decisão que pareceu justa:
Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da morte dessa criatura.
Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também de volta o seu corpo quando essa criatura morrer.
Mas como Você, Cuidado, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver.
E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil.
A lembrança desse mito me veio a mente porque, em postagem anterior, foi citado o nome do filósofo e teólogo, Leonardo Boff, autor do livro "Saber Cuidar" (Editora Vozes).
Como em diversos momentos desse blog tenho percebido a preocupação com a crise civilizatória desse século XXI, tomo a liberdade de transcrever as palavras do próprio Boff:
"A crise generalizada que afeta a humanidade se revela pelo descuido e pela falta de cuidado com que se tratam realidades importantes da vida: a natureza, os milhões e milhões de crianças condenadas a trabalhar como adultos, os aposentados, os idosos, a alimentação básica, a saúde pública e a educação mínima. A crise é civilizatória. Para sair dessa crise precisamos de uma nova ética. Ela deve nascer de algo essencial no ser humano. A essência humana, assim o viu a ancestral sabedoria dos mitos, reside mais no cuidado do que na razão e na vontade. É próprio do ser humano colocar cuidado em tudo que faz. Se não coloca cuidado, as coisas se desmantelam e desaparecem."
O livro "Saber Cuidar" tem como subtítulos: "Ética do Humano - Compaixão pela Terra"
É impressionante até onde mitos milenares podem nos levar à uma reavaliação.
ao escrever esse post, tb lembrei dessa FÁBULA-MITO de Boff. sim... ele chama de "fábula-mito", provavelmente, pela personalização do Cuidado.
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