segunda-feira, 2 de novembro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - As cavalariças de Augias

Vendo que a força de Hércules iria derrotar qualquer criatura, Euristeu começou a testá-lo com tarefas que exigissem outras habilidades. Para a quinta tarefa, ele ordenou que o herói limpasse os estábulos do Rei Augias, da Élida, em apenas um dia e, se falhasse, deveria ficar por lá para sempre.*
* Alguns contadores de história gostavam de dizer que Euristeu começou a temer uma vingança mortal de Hércules. O pavor era tamanho que o rei não conseguia mais controlar seus intestinos quando sabia que o herói estava retornando de alguma das tarefas por ele impostas. E esse embaraço intestinal pode ter sido o que lhe deu a ideia para este trabalho.
Num primeiro momento, podia parecer um simples trabalho, mas dizia-se que o riquíssimo Augias recebeu de presente de seu pai - o deus solar Helios - mais rebanhos de gado, cavalos, cabras e ovelhas do que qualquer um em toda Grécia (outros relatos dizem que era um enorme rebanho de bois presenteados pelos deuses que jamais adoeciam: 300 touros negros de patas brancas, 200 vermelhos, 12 brancos e 1 dourado). Porém, em mais de 30 anos, nem os estábulos nem a área de pasto foram limpos. Toda noite dezenas de pastores ficavam responsáveis por organizar os milhares de animais em meio ao esterco e ao terrível odor.

Mosaico romano (séc. III d.C.) mostra Hércules com
um ancinho para desviar o curso dos rios.
Hércules chegou a Élida sem citar Euristeu, garantindo que limparia os estábulos em um dia se o rei desse em troca um décimo do seu melhor rebanho. Como Augias não acreditava na possibilidade do herói concluir a tarefa, aceitou a aposta. Durante a noite, Hércules preparou sua estratégia que mesclaria força e inteligência. Primeiro, derrubou o muro que protegia a parte de trás dos estábulos. Em seguida, cavou largas valas com as próprias mãos e redirecionou os grandes rios Alfeu e Peneu, que passavam perto, para que fluissem pelo pátio. Em poucos instantes, as águas corredeiras limparam toda a sujeira. O solo da região coberto de esterco acabou adubado e se tornando fértil.

Hércules desvia o curso do Rio Alfeu, óleo de Francisco de Zurbarán (1634)

Quando Augias descobriu que Euristeu estava por trás das ações de Hércules, não só se recusou a pagar a aposta feita como disse que não havia prometido nada. O herói exigiu um julgamento e chamou Fileu, o filho do rei, como testemunha. Como o príncipe falou a verdade (com medo dos rompantes coléricos de Hércules), Augias teve que pagar o combinado, mas baniu seu próprio herdeiro para a casa de familiares fora da cidade. Euristeu não aceitou o cumprimento da tarefa uma vez que o herói foi pago para fazê-lo.

Na simbologia deste trabalho, o estábulo é o inconsciente e o estrume, a deformação banal, enquanto os rios são a própria vida em movimento. Lavar o estábulo significa purificar a alma, livrando o inconsciente da banalidade, através de uma vida ativa, sensata e dignificante.

No retorno para Micenas, Hércules passou em Oleno, na corte de Dexâmeno, durante o banquete de núpcias de sua filha Mnesímaca com o arcádio Azane. O centauro Eurítion raptou a noiva, mas foi morto pelo herói. Uma versão dessa história, diz que Hércules esteve em Oleno antes de realizar o trabalho para Augias e teria cortejado a princesa. Em sua ausência para realizar a tarefa, o centauro violentou a princesa. Ao saber disso em seu retorno, o herói matou Eurítion.


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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - O Javali do Erimanto

Depois de matar dois monstros e trazer vivo um animal dócil como a corça, Euristeu decidiu que Hércules deveria capturar com vida o temível javali que devastava as florestas da escura montanha Erimanto, no extremo noroeste da Arcádia. Era um enorme porco selvagem, com grandes presas e um temperamento agressivo que ia destruindo tudo em seu caminho.

Hércules e o Javali do Erimanto, estátua em bronze de Louis Tuaillon (1904), Berlin.

Hércules e Folo, em ânfora pintada, cerca de 520 a.C.
No caminho para cumprir sua tarefa, o herói encontrou boa hospitalidade na casa de seu amigo centauro Folo, que lhe ofereceu abrigo e carne cozida (centauros só comiam carne crua), no Monte Pélion, na Tessália. Durante a ceia, Hércules solicitou vinho a Folo, mas o centauro hesitou em servi-lo, pois a única garrafa estava prometida como oferenda a Dioniso. O herói conseguiu convencer o amigo e imediatamente o odor intoxicante do vinho atraiu os outros centauros das montanhas que queriam saber quem violou o sagrado presente. Armados com paus e pedras, atacaram Hércules num frenesi de raiva. O herói lançou uma saraivada de flechas contra os centauros, e os poucos que sobreviveram se acuaram e se esconderam na caverna do centauro Quíron, antigo professor de Hércules. Infelizmente, uma seta envenenada acabou atingindo o imortal Quíron, que sofreu um ferimento incurável. Folo, ao arrancar a flecha do corpo de um centauro morto, feriu-se no casco e veio rapidamente a morrer dias depois de forma agonizante por causa do veneno da Hidra contido na flecha. Hércules fez-lhe magníficos funerais, enterrando-o na montanha que passou a ter seu nome.

Cheio de remorso, Hércules seguiu para rastrear o javali - o que não foi muito difícil pois o som do bufar e do bater dos cascos era audível em toda a floresta. Perseguiu o animal até encurralá-lo nos picos nevados do Monte Erimanto, onde aproveitou o terreno escorregadio para desequilibrá-lo e derrubá-lo. Com o javali desacordado, amarrou-o e o levou até o palácio de Euristeu, que, assustado ao ver o animal no ombro do herói, foi se esconder dentro de um caldeirão de bronze.

Hércules, o javali e Euristeu em ânfora pintada, cerca de 525 a.C.

O simbolismo do javali é antiquíssimo e está ligado à autoridade espiritual que desenterra do âmago seus nutrientes, assim como o animal tira raízes de árvores para se alimentar. Apoderando-se do poder espiritual, Hércules deu mais um passo em seu rito de perdão.


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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Mitologia em propaganda de perfume

Há dois meses, a marca de moda Paco Rabanne lançou a fragrância Olympéa, a versão feminina do já famoso Invictus. O anúncio estrelado pela modelo brasileira Luma Grothe tem um visual de mitologia grega, mesmo que a marca o venda para a "Cleópatra moderna". Confira:


Já o anúncio do perfume masculino de 2013 tem um jeitão de atleta de futebol americano (o australiano Nick Youngquest) elevado à divindade:


A Versace também tem seus perfumes mitológicos: Eros (com Brian Shimansky fazendo o deus do amor) e Eros pour Femme (com Lara Stone mostrando quem manda na flecha do deus)



Experimentem!

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - A Corça da Cerineia

Afresco de Adolf Schmidt, séc. XIX.

Diz-se que a ninfa Taígete, para fugir do assédio implacável de Zeus, foi transformada pela deusa Ártemis em uma enorme corça (maior que um touro) com chifres de ouro maciço polido e pés de bronze, que corria com assombrosa rapidez e nunca se cansava. Sua velocidade era tamanha que era capaz de ultrapassar uma flecha e até mesmo conseguiu escapar da própria deusa, quando esta capturou um rebanho de cervos para puxar sua carruagem. Após essa fuga, Hera conduziu a corça para o Monte Cerineia.

Euristeu conferiu esse terceiro trabalho a Hércules, porque sabia que a corça era propriedade sagrada de Ártemis e Hera e isso colocaria o herói contra as deusas. Existem duas versões desta tarefa, que levou um ano para ser realizada e percorreu uma larga extensão de terra até os Hiperbóreos:
  1. Hércules a perseguiu incansavelmente sem nunca alcançá-la, até que, exausta, a corça parou para beber água e foi ferida levemente por uma das flechas do herói.
  2. O herói preparou uma armadilha no Templo de Ártemis com uma rede para não machucar a corça. Assim que o animal entrou no templo para descansar da perseguição, Hércules soltou a rede e o capturou.
Hércules e a Corça, estátua em bronze
de Giambologna
No caminho de volta a Micenas com a corça nos ombros, Hércules encontrou Apolo e uma furiosa Ártemis, que o acusou de sacrilégio e o sentenciou a morte. O herói contou aos gêmeos divinos a razão da captura e seu juramento ao rei Euristeu. A compadecida deusa curou, então, a corça e permitiu que ele levasse o animal sagrado com a condição que ela fosse libertada logo após que o rei a visse. Euristeu decidiu ficar com a corça, no momento que colocou os olhos nela, mas Hércules não podia permitir. Ele disse para o rei vir pegá-la e a soltou, porém ela correu de volta para o templo da deusa.

A simbologia da corça apresenta dois aspectos de interpretação: por ser consagrada a Ártemis carregava pureza e virgindade acentuadamente, mas o bronze em seus pés poderia pervertê-la, fazendo-a apegar-se a desejos terrenos. O metal isolava o animal do mundo profano, mas, ao mesmo tempo, o aterrava, impedindo voos mais altos. Seus chifres de ouro representavam a força da alma, um vigor capaz de preservá-la de qualquer fraqueza espiritual. É como se toda a dificuldade na execução do trabalho fosse necessário para o herói usar de estratégia e delicadeza para lidar com a sensibilidade ambígua inerente ao indivíduo.


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segunda-feira, 12 de outubro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - A Hidra de Lerna

Estátua de Hercules e a Hidra de Lerna na fachada
do Palácio Imperial de Hofburg em Viena, Áustria.
Filha dos monstros Equidna e Tifão (ou de Styx e do titã Palas), a Hidra vivia nos pântanos perto da antiga cidade de Lerna (também na Argólida), aterrorizando a vizinhança e se alimentando de rebanhos e moradores locais. Era um dragão com corpo canídeo, que possuía nove cabeças (uma delas praticamente imortal, pois não sofria dano de nenhuma arma) em pescoços serpentílicos, que se regeneravam logo que eram cortadas. O número nove de cabeças é o padrão geral, mas desvia de cinco até cem, porque em algumas versões ao invés da cabeça regenerar, ela se dividia em outras duas. Além disso, fala-se sobre o sangue venenoso da Hidra e o que poderia ser sua respiração sulfurosa ou um vapor letal que exalava de suas feridas.

Hércules viajou até Lerna em uma veloz carruagem que tinha seu fiel sobrinho Iolau como cocheiro. Quando finalmente chegaram, o herói pediu que o rapaz ficasse com os cavalos, enquanto ele atirava flechas em chamas para tirar a Hidra de seu covil. O monstro saiu e atacou imediatamente seu oponente.


Com sua espada de bronze (em algumas versões, uma foice), Hércules corajosamente foi cortando as cabeças da Hidra em meio a seu bafo mortal, mas logo percebeu que novas cabeças cresciam no lugar das decapitadas. O herói pediu ajuda para Iolau, que ia cauterizando as feridas abertas com uma tocha em brasa retirada de um árvore que pegou fogo com as flechas flamejantes de Hércules.


Para a cabeça invulnerável remanescente, Hércules desferiu um golpe atordoante com sua clava e arrancou a cabeça com as próprias mãos. Enterrou-a em um buraco profundo na terra e colocou uma enorme pedra em cima. Por fim, instruído por Atena, o herói banhou suas flechas no sangue da serpente para que ficassem envenenadas.

Um relevo em mármore datado do século II a.C. encontrado em Lerna, mostra Hércules enfrentando a Hidra com um enorme caranguejo próximo aos seus pés. Isso ratifica a lenda que Hera teria enviado Karkinos, um enorme caranguejo, para atrapalhar as ações do herói, mas o animal acabou pisoteado. A deusa ascendeu seu casco às estrelas, convertendo-se na Constelação (e signo) de Câncer. Alguns estudiosos sugerem que essa adição ao mito tenha sido feita para que os trabalhos correspondessem ao zodíaco. A Hidra também foi elevada às estrelas como a maior das constelações, vizinha à de Câncer.

Euristeu não se impressionou com a façanha de Hércules, que levou as cabeças da Hidra como prova. Considerando a ajuda de Iolau, o rei não contabilizou esta tarefa dentro das dez previstas inicialmente. Essa tecnicalidade não impediu os escritores e artesãos de exaltarem o feito, mas outros, como Pausanias, não só o desconsideraram como reduziram a Hidra a uma grande serpente aquática.


A Hidra simbolizava os vícios banais múltiplos capitaneados pela vaidade: enquanto ela não é dominada as cabeças, configuração dos vícios, renascem. Tudo que tem contato com os vícios, ou deles procede (o sangue venenoso), corrompe e se corrompe. A espada ou a foice representam a espada espiritual e a tocha, a purificação pela qual o herói precisava passar.

Uma interpretação única deste trabalho diz que foi um aterramento do pântano. A hidra era, na verdade, o pântano em si e as cabeças do monstro eram os rios que o alimentavam. O bafo mortal era o cheiro de podridão do local. As “flechas envenenadas” foram mergulhadas no caldo séptico do pântano e matavam por infecção.


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