segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - Cérbero

Cérbero, aquarela de William Blake.

Euristeu, sabendo que Hércules só ficaria mais um ano sob suas ordens, ordenou-lhe a tarefa que considerava a mais impossível de ser realizada: descer ao reino de Hades e trazer Cérbero (Kerboros, o “comedor de carne”), o cão tricéfalo que guardava as portas do inferno, impedindo a entrada de vivos no Mundo Subterrâneo. Algumas versões dizem que o cão - mais um filho de Equidna e Tifão - tinha de duas a cinquenta cabeças, mas o número três é a descrição mais comum. Possuía uma crina de cabeças de serpentes que terminava em uma cauda que poderia ser de cão, de leão ou uma serpente com cabeça de dragão na ponta. Para aclamar sua fúria, as almas dos mortos costumavam jogar os bolos de farinha e mel que seus entes queridos deixavam em seus túmulos.

Para a tarefa, Hércules precisava ser iniciado nos Mistérios de Elêusis - rituais de iniciação ao culto de Deméter e Perséfone, sogra e esposa de Hades - pelo sacerdote Eumolpo. Ele acreditava que se fosse perdoado e purificado pelas mortes que cometera - principalmente a dos centauros - ele não teria problemas em sair do reino dos mortos. Mesmo assim, o herói ainda duvidava que conseguiria realizar essa temerária e perigosa façanha. Então, ofertou grandes sacrifícios aos deuses, pedindo sua proteção. Suas preces foram ouvidas: Zeus pediu que Atena (a sabedoria que ilumina as trevas) e Hermes (aquele que acerta o caminho) o acompanhassem ao longo do percurso que levava às portas do Mundo Subterrâneo, em Tênaro, na Lacônia.

Atenas e Hermes acompanham Hércules à entrada do Reino de Hades e são recebidos por Perséfone e Cérbero, em gravura que reproduz pintura em cerâmica.

Entrando por uma caverna nas encostas do Monte Taígeto, os três mergulharam profundamente na terra e, depois de horas andando por trilhas subterrâneas que jamais haviam sido pisadas por vivos, chegaram às margens do sagrado Rio Estige. Lá encontraram o barqueiro Caronte, que transportava as almas dos mortos até o reino de Hades. Embora não permitisse que Hércules subisse a bordo, obedeceu às ordens de Atena e Hermes. Quando chegaram do outro lado, Cérbero farejou o cheiro de carne humana viva e se colocou a rosnar, mas nada fez na presença dos deuses. No meio do reino sombrio, Hércules espantou a sombra de Medusa e se encontrou com a sombra de Meleagro, herói de Cálidon, que lhe contou sua história* e pediu que desposasse sua irmã Dejanira. Em seguida, libertou Ascálafo (filho de uma ninfa do rio Estige com o rio Aqueronte) da enorme pedra que se encontrava sobre ele. Porém, como Ascálafo havia sido punido por Deméter quando denunciou sua filha Perséfone e a fez ficar pra sempre com Hades, a deusa o transformou em coruja assim que fora libertado por Hércules.
* Uma profecia dizia que, assim que nascesse, Meleagro morreria quando a lareira de sua casa se apagasse. Sua mãe, então, apagou o fogo com água e escondeu a tora úmida. Anos mais tarde, quando Meleagro matou seus dois tios, irmãos de sua mãe, esta lembrou-se da profecia e jogou a tora novamente no fogo. Isso levou o rapaz a enfrentar Apolo, que nunca errava o alvo de suas flechas.

Mais adiante o herói encontrou dois homens vivos acorrentados à cadeiras e os identificou como Teseu e Pirítoo, rei dos Lápitas. Os dois haviam sido punidos por Hades por tentarem resgatar Perséfone*. Hércules quebrou as correntes de Teseu, mas, com o barulho, as três cabeças de Cérbero puseram-se a uivar em um som metálico e chamaram a atenção de Hades. Ao tentar libertar Pirítoo, um terremoto enviado pelo deus do subterrâneo o afastou.
* Uma versão dessa história diz que Teseu e Pirítoo foram convidados por Hades para jantar, mas, como não conheciam as regras eleusinas, ficaram presos às cadeiras onde sentavam. Após vencer Cérbero, Hércules pediu pela libertação dois dois, mas Hades só permitiu que o herói levasse Teseu. Pirítoo ficou na cadeira do esquecimento.
Dante encontra Cérbero no Terceiro Círculo do Inferno na Divina Comédia, gravura de Gustave Doré.

Penalizado ao ver tantas sombras humanas, Hércules decidiu reanimá-los por alguns instantes através de sacrifícios de sangue. O herói encontrou o rebanho de Hades e precisou enfrentar seu pastor Menetes, que teve algumas costelas quebradas antes da intervenção de Perséfone. A deusa levou o herói ao palácio de Hades, que, ao ver o herói em companhia de dois deuses, questionou toda a jornada. Depois de receber as devidas explicações sobre as tarefas hercúleas, ele autorizou-o a levar Cérbero para a Terra sob a condição de conseguir dominá-lo sem usar as suas armas e devolvê-lo ileso.*
* Antigos textos dizem que Hades não permitiu e acabou recebendo uma flechada de Hércules. Perséfone deu essa ideia ao marido para impedir o combate. Essa intervenção da deusa se deve ou ao fato de ser meia-irmã do herói (já que também é filha de Zeus) ou a Zagreu, filho dela com Hércules.
Hércules e Cérbero, pintura em cerâmica etrusca (sec. V)

Hércules dominando Cérbero, estátua de
mármore no palácio Hofburg, em Viena.
Hércules aproximou-se, então, do animal e o enfrentou só com sua força e a pele do Leão da Nemeia, que o protegeu das mordidas das serpentes do corpo de Cérbero. Usou da mesma tática contra o leão e sufocou as três cabeças de uma vez só até o cão desacordar, mesmo depois de levar uma mordida da cauda de dragão. Alguns textos, dizem que Hécate, deusa da magia negra, confrontou o herói na tentativa de proteger Cérbero. Porém, Hércules tinha um acordo com Hades: acorrentou o cão vencido e ergueu o animal aos ombros, retornando pelos Campos Elísios, onde ficavam os mortos que tinham agido de forma nobre.

Hércules e Cérbero. Óleo de Francisco de Zurbarán (1634)
* Dizem que, quando a luz do sol bateu no corpo de Cérbero, a fera começou a convulsionar e precisou ser novamente abatido por Hércules. A baba do animal que caiu no chão se tornou a planta venenosa chamada acônito (ou mata-lobo, usada no folclore contra lobisomens).

Afinal chegou a Micenas. Euristeu ficou tão apavorado quando soube que Hércules trazia nos ombros o terrível cão tricéfalo, que se escondeu debaixo de uma cuba de bronze, mandando-lhe uma mensagem na qual lhe ordenava que se afastasse de Micenas para todo o sempre. Então, de coração leve, Hércules levou Cérbero de volta às portas do Inferno. Essa vitória simbolizou a força espiritual que derrota o terrível e mortal mal interior a partir de uma jornada que leva à uma morte simbólica, ao autoconhecimento e à transformação do indivíduo.

Hércules entrega Cérbero a Euristeu, que se esconde no jarro de bronze,
pintura em cerâmica etrusca (séc. V).


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TRABALHO: I - II - III - IV - V - VI - VII - VIII - IX - X - XI - XII
PARTE: VI - VII - VIII - IX - X - XI - XII - XIII - Livro

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