Em sua jornada solitária, Hércules defrontara-se com inúmeros perigos entre ladrões e animais selvagens. Diz-se que, ao chegar a Gibraltar, o herói trabalhou arduamente para abrir um largo canal entre o Mediterrâneo e o Oceano para permitir a passagem de navios*.
* Algumas lendas dizem que Hércules usou sua força para separar o Monte Calpe do Monte Abília e, assim, abrir o estreito hoje chamado de Pilares de Hércules ou Estreito de Gibraltar.
Hércules separa Calpe e Abília. Óleo de Francisco de Zurbarán (1634) |
Precisou atravessar o deserto da Líbia na continuidade do caminho. O calor era tão grande que o herói enfurecido começou a atirar flechas em direção ao sol. Helio, deus sol, implorou para que ele parasse (em algumas versões, é Apolo que pede), mas o herói disse que só o faria se ele emprestasse a barca (ou taça) de ouro que o ajudava a cruzar os mares de volta ao leste.
Com a barca, Hércules chegou rapidamente à ilha e foi logo recebido por Ortro, mas as histórias dizem que apenas um golpe de sua clava de oliveira derrubou o cão bicéfalo. O pastor Euritião levantou uma enorme pedra para arremessar no herói, que foi mais rápido e o flechou. A pedra erguida acabou esmagando o pastor.
Ânfora com pintura de Hércules enfrentando Gerião (em destaque). No chão, Ortro e Euritião abatidos. |
Ouvindo a luta, Gerião vestiu três armaduras, três capacetes e levou três escudos e três lanças para enfrentar o herói. Percebendo que seria complicado derrotar o monstro num combate corpo a corpo, Hércules puxou seu arco e matou Gerião com suas flechas envenenadas. Algumas versões dizem que Hércules rasgou Gerião em três partes após uma luta feroz, simbolizando a vitória sobre a vaidade, a devassidão e a dominação despótica.
O retorno do herói a Micenas foi bem mais complicado do que conseguir o gado. Hércules colocou o gado na barca de ouro e precisou navegar ao Oceano Atlântico, considerado o fim do mundo para os antigos gregos, para devolver a barca a Helio. No caminho a pé, ergueu duas colunas de pedras para lembrar sua passagem por Gibraltar, mas seus problemas apenas começaram...
- Em Pilos, o rei Neleu impediu a passagem de Hércules e ainda tentou confiscar o gado roubado.
- Na Ligúria, Hércules foi atacado por aborígenes belicosos. Após grande carnificina, as flechas do herói acabaram e ele invocou ajuda à seu pai Zeus, que enviou uma chuva de pedra para afugentar os inimigos. Ainda na região, dois filhos de Poseidon - Ialébios e Dercino - tentaram roubar-lhe os bois, mas foram mortos.
- No Lácio (onde posteriormente se ergueria Roma), Caco**, filho de Hefesto, roubou dois gados e quatro novilhos, enquanto o herói dormia na casa do Rei Evandro. Levou os animais para sua caverna no Monte Aventino sem deixar trilha ou pistas, porque os arrastou pela cauda. Ao acordar e dar pela falta do gado, Hércules saiu em busca do gado pastoreando o resto. Acabou passando próximo à caverna de Caco e o gado roubado, ouvindo o rebanho passar, começou a mugir bem alto como se pedisse socorro. O herói ouviu e encontrou Caco escondendo os animais. Matou o gigante com um rápido golpe de espada na garganta.
**Caco (em latim: Cacus) é descrito na Divina Comédia, do poeta Dante Alighieri, como um dos centauros que guardam o Sétimo Círculo do Inferno. Alguns mitógrafos o descreviam ou como um gigante cuspidor de fogo ou um gigante de três cabeças. Segundo uma das versões desta história, a irmã de Caco teria se apaixonado por Hércules e revelado o paradeiro do gigante.
Hércules mata Caco, gravura de Hans Sebald Beham (1545). |
- Na Calábria, um dos bois se desgarrou do rebanho e nadou até a Sicília. Na língua nativa, touro era “italus” e, assim, deu-se o nome de Itália ao país. O touro fora encontrado pelo rei Eryx, filho de Afrodite. Hércules pediu para Hefesto cuidar do rebanho enquanto ele buscava o touro perdido. Ao encontrá-lo no meio do rebanho de Eryx, o herói o pediu de volta após explicar sua tarefa. O rei disse que só devolveria o animal se Hércules o vencesse três vezes em uma competição de boxe, pois acreditava que o herói perderia sua imortalidade se não levasse o rebanho de Gerião para Micenas. Acontece que o herói não só o venceu como o matou, enterrando-o no templo de sua deusa-mãe.
- Próximo ao Mar Jônico, quase no fim de sua jornada, Hércules teve muita dificuldade de manter todo o rebanho junto, pois Hera enviou mutucas para dispersá-lo até a Trácia e a Cítia (entre a Turquia e a Ucrânia). O herói teve que enfrentar um monstro metade mulher metade serpente para conseguir juntar o gado e, mesmo depois de conseguir dominá-los, precisou atravessar o rio Strymon, que teve seu nível de água aumentado pela deusa. Com pedras e árvores, Hércules fez uma ponte para os animais atravessarem. Algumas versões dizem que o herói, na verdade, aterrou o rio.
- Quase chegando a Micenas, Hércules foi atacado por Alcioneu de Corinto, um gigante que atirou pedras contra os rebanhos e destruiu doze carros de boi. O herói rebateu com sua clava uma das pedras atiradas por Alcioneu e o esmagou.
Hércules carregando os bois de Gerião, xilogravura de Gabriel Salmon. |
Quem sabe alguém (e nesse caso me refiro ao povo), nos dias de hoje, consiga vencer o moderno Gerião e, assim, destruir, ou pelo menos reduzir, a vaidade, a devassidão (expressa pelo desrespeito geral) e o poder despótico que estão corroendo a sociedade?
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