segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - Os Bois de Gerião

Como décimo trabalho, Euristeu decidiu aumentar a dificuldade: Hércules deveria trazer por terra e mar todo o rebanho de Gerião (Gérion), que tinha duas pernas tal como as outras pessoas, mas, a partir da cintura, o corpo se ramificava em três troncos com três cabeças e seis braços. Diziam que o grito de Gerião equivalia ao de dez mil guerreiros e que ele gostava de urrar em meio ao temporal para abafar o ribombar dos trovões de Zeus. Ele também costumava subir numa pedra próxima ao mar para desafiar aos berros àqueles que tivesse coragem de enfrentá-lo; seu desafio ecoava à grandes distâncias e pode ter sido ouvido por um capacho de Euristeu, inspirando-o nesta tarefa. Filho de Crisaor (descendente da górgona Medusa) e Calirrhoe (filha dos titãs Oceano e Tétis), vivia em uma mítica ilha próxima à Líbia chamada Erítia, com o pastor gigante Euritião e Ortro, o cão de duas cabeças e cauda de dragão (irmão do famoso Cérbero), que protegiam seus rebanhos. Seu gado era peculiar: de um tom vermelho profundo, com testas largas e pernas esguias.

Em sua jornada solitária, Hércules defrontara-se com inúmeros perigos entre ladrões e animais selvagens. Diz-se que, ao chegar a Gibraltar, o herói trabalhou arduamente para abrir um largo canal entre o Mediterrâneo e o Oceano para permitir a passagem de navios*.
* Algumas lendas dizem que Hércules usou sua força para separar o Monte Calpe do Monte Abília e, assim, abrir o estreito hoje chamado de Pilares de Hércules ou Estreito de Gibraltar.
Hércules separa Calpe e Abília. Óleo de Francisco de Zurbarán (1634)

Precisou atravessar o deserto da Líbia na continuidade do caminho. O calor era tão grande que o herói enfurecido começou a atirar flechas em direção ao sol. Helio, deus sol, implorou para que ele parasse (em algumas versões, é Apolo que pede), mas o herói disse que só o faria se ele emprestasse a barca (ou taça) de ouro que o ajudava a cruzar os mares de volta ao leste.

Com a barca, Hércules chegou rapidamente à ilha e foi logo recebido por Ortro, mas as histórias dizem que apenas um golpe de sua clava de oliveira derrubou o cão bicéfalo. O pastor Euritião levantou uma enorme pedra para arremessar no herói, que foi mais rápido e o flechou. A pedra erguida acabou esmagando o pastor.

Ânfora com pintura de Hércules enfrentando Gerião (em destaque). No chão, Ortro e Euritião abatidos.

Ouvindo a luta, Gerião vestiu três armaduras, três capacetes e levou três escudos e três lanças para enfrentar o herói. Percebendo que seria complicado derrotar o monstro num combate corpo a corpo, Hércules puxou seu arco e matou Gerião com suas flechas envenenadas. Algumas versões dizem que Hércules rasgou Gerião em três partes após uma luta feroz, simbolizando a vitória sobre a vaidade, a devassidão e a dominação despótica.

O retorno do herói a Micenas foi bem mais complicado do que conseguir o gado. Hércules colocou o gado na barca de ouro e precisou navegar ao Oceano Atlântico, considerado o fim do mundo para os antigos gregos, para devolver a barca a Helio. No caminho a pé, ergueu duas colunas de pedras para lembrar sua passagem por Gibraltar, mas seus problemas apenas começaram...

  • Em Pilos, o rei Neleu impediu a passagem de Hércules e ainda tentou confiscar o gado roubado.
  • Na Ligúria, Hércules foi atacado por aborígenes belicosos. Após grande carnificina, as flechas do herói acabaram e ele invocou ajuda à seu pai Zeus, que enviou uma chuva de pedra para afugentar os inimigos. Ainda na região, dois filhos de Poseidon - Ialébios e Dercino - tentaram roubar-lhe os bois, mas foram mortos.
  • No Lácio (onde posteriormente se ergueria Roma), Caco**, filho de Hefesto, roubou dois gados e quatro novilhos, enquanto o herói dormia na casa do Rei Evandro. Levou os animais para sua caverna no Monte Aventino sem deixar trilha ou pistas, porque os arrastou pela cauda. Ao acordar e dar pela falta do gado, Hércules saiu em busca do gado pastoreando o resto. Acabou passando próximo à caverna de Caco e o gado roubado, ouvindo o rebanho passar, começou a mugir bem alto como se pedisse socorro. O herói ouviu e encontrou Caco escondendo os animais. Matou o gigante com um rápido golpe de espada na garganta.
**Caco (em latim: Cacus) é descrito na Divina Comédia, do poeta Dante Alighieri, como um dos centauros que guardam o Sétimo Círculo do Inferno. Alguns mitógrafos o descreviam ou como um gigante cuspidor de fogo ou um gigante de três cabeças. Segundo uma das versões desta história, a irmã de Caco teria se apaixonado por Hércules e revelado o paradeiro do gigante.
Hércules mata Caco, gravura de Hans Sebald Beham (1545).

  • Na Calábria, um dos bois se desgarrou do rebanho e nadou até a Sicília. Na língua nativa, touro era “italus” e, assim, deu-se o nome de Itália ao país. O touro fora encontrado pelo rei Eryx, filho de Afrodite. Hércules pediu para Hefesto cuidar do rebanho enquanto ele buscava o touro perdido. Ao encontrá-lo no meio do rebanho de Eryx, o herói o pediu de volta após explicar sua tarefa. O rei disse que só devolveria o animal se Hércules o vencesse três vezes em uma competição de boxe, pois acreditava que o herói perderia sua imortalidade se não levasse o rebanho de Gerião para Micenas. Acontece que o herói não só o venceu como o matou, enterrando-o no templo de sua deusa-mãe.
  • Hércules carregando os bois de Gerião,
    xilogravura de Gabriel Salmon.
  • Próximo ao Mar Jônico, quase no fim de sua jornada, Hércules teve muita dificuldade de manter todo o rebanho junto, pois Hera enviou mutucas para dispersá-lo até a Trácia e a Cítia (entre a Turquia e a Ucrânia). O herói teve que enfrentar um monstro metade mulher metade serpente para conseguir juntar o gado e, mesmo depois de conseguir dominá-los, precisou atravessar o rio Strymon, que teve seu nível de água aumentado pela deusa. Com pedras e árvores, Hércules fez uma ponte para os animais atravessarem. Algumas versões dizem que o herói, na verdade, aterrou o rio.
  • Quase chegando a Micenas, Hércules foi atacado por Alcioneu de Corinto, um gigante que atirou pedras contra os rebanhos e destruiu doze carros de boi. O herói rebateu com sua clava uma das pedras atiradas por Alcioneu e o esmagou.
Hércules chegou com parte do rebanho ao reino de Euristeu um ano depois, acreditando que estaria livre de sua punição. O covarde rei sacrificou todo o gado à Hera e revelou ao herói que ele ainda deveria cumprir mais duas tarefas, pois não havia considerado a morte da Hidra (porque teve ajuda de Iolau) e a limpeza dos estábulos de Augias (porque ele foi pago).


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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - O Cinturão de Hipólita

Hércules obtém o cinturão de Hipólita, óleo de Nikolaus Knüpfer
Cada vez mais irritada, Hera soprou no ouvido de Admete, filha de Euristeu e sua sacerdotisa, que ela teria muito poder e sabedoria se obtivesse o cinturão de Hipólita, rainha das guerreiras Amazonas, filha de Ares. Euristeu resolveu fazer, então, com que o nono trabalho de Hércules fosse conseguir a peça. O cinturão é descrito como um cinto de couro dada a ela por Ares por ser a melhor guerreira entre as Amazonas. Acredita-se que Hipólita o usava cruzando seu peito para carregar sua espada e sua lança, mas não há representações dele.

Conhecendo as habilidades das Amazonas, o herói decidiu organizar uma expedição às misteriosas terras ao norte do Cáucaso, próximas ao Mar Negro, onde ficava Temiscira, capital do reino das guerreiras. Entre os voluntários, estavam Telamon, Teseu e Peleu.

Na primeira parada na ilha de Paros, Hércules pediu que dois de seus companheiros fossem buscar água com o Rei Alceu. Os rudes filhos do Rei Minos (Nefálion, Eurimedonte, Crises e Filolau) que estavam hospedados na ilha desrespeitaram as leis que protegiam os estrangeiros e assassinaram os dois. Hércules viu a cena do convés e pulou pra terra e matou os quatro. Os habitantes da ilha se revoltaram e atacaram o herói e seus companheiros sem saber quem eram. Quando se deram conta, pararam de enfrentá-los e disseram para o herói escolher dois guerreiros para substituir os que foram mortos pelos filhos de Minos. Hércules chamou o Rei Alceu e seu irmão Estênelo.

Viajando para o Norte, passaram pelo o Helesponto (estreito de Dardanelos próximo a Turquia) e pelo Bósforo e saíram no Mar Negro. Seguindo a costa da Ásia Menor, aportaram na Mísia, onde o Rei Lico os recebeu calorosamente com um grande banquete. Durante a celebração, os bébrices invadiram a nação, pilhando e destruindo tudo no caminho. Hércules e seus companheiros rapidamente se prontificaram e acabaram com os invasores, recebendo tantas provisões quantas couberam em seu navio como recompensa.

Depois de mais uma longa jornada, finalmente chegaram a Temiscira. Armados até os dentes, ficaram surpresos com a recepção calorosa das Amazonas quando seu navio chegou à foz do rio Thermodon. Até mesmo Hipólita parecia estar encantada com os heróis. Hércules contou à rainha a razão daquela expedição e Hipólita ofereceu o cinturão como presente. Ao ouvir isso, Hera tomou a forma de uma amazona e começou a espalhar o rumor que o herói queria sequestrar a rainha.


A destemida Aela atirou suas flechas em Hércules, mas a pele impenetrável do Leão da Nemeia as fez ricochetear. Já a flecha de Hércules matou a amazona de uma vez. A saguinária Prótoe matou três companheiros do herói antes de ser morta por ele com um só golpe de sua espada. Hércules derrubou outras sete amazonas com sua clava. Teseu, Telamon, Alceu e Estênelo derrotaram outras guerreiras, mas o combate só chegou ao fim quando Hércules matou Hipólita com sua espada de bronze e tomou o cinturão. As amazonas derrotadas se viram abandonadas à sua própria sorte.*
* Numa versão desta tarefa, Hipólita não é morta. A luta só termina quando Hércules faz a Rainha Melanipe como sua prisioneira. Ele a troca pelo cinturão. Teseu ainda rapta a Rainha Antíope, irmã de Hipólita, e se casa com ela. Em outra versão, Teseu, na verdade, rapta e estupra Antíope, o que marca o início da luta entre as amazonas e os guerreiros de Hércules. Essa versão é pouco utilizada por macular a aura de herói de Teseu. Percebam que eram três rainhas, pois acredita-se em três tribos diferentes de amazonas, sendo Hipólita a governante-mor.
Hércules vence Hipólita, estátua em mármore de Lorenzo Mattielli
Na viagem de volta, Hércules salvou Hesíone, filha de Laomedonte, de ser sacrificada por um monstro marinho enviado por Poseidon. Laomedonte, rei de Troia, havia se recusado a pagar aos deuses Poseidon e Apolo pela construção das poderosas muralhas ao redor da cidade. Apolo enviou uma praga e Poseidon um monstro marinho, que só cessariam suas destruições se Hesíone fosse sacrificada. Laomedonte chegou a tentar usar filhas de pessoas do povo, mas em um sorteio saiu o nome da princesa. Hércules passou pela cidade e se ofereceu para salvar a princesa e matar o monstro em troca dos dois corcéis brancos que andavam sobre as águas, dados ao rei por Zeus em troca do jovem Ganimedes. O herói chegou a ser engolido pelo monstro, permanecendo em seu estômago por três dias até rasgar seu caminho para a liberdade, mas o velhaco Laomedonte novamente não pagou o prometido e expulsou o herói, que jurou vingança.

Hércules liberta a filha de Laomedonte, óleo de Louis de Silvestre.
No porto de Tassos, Hércules e seus companheiros encontraram trácios selvagens que devastavam a ilha. Após expulsar os inimigos, o herói deixou a ilha nas mãos de Alceu e Estênelo como recompensa pela participação na jornada. Chegando a Micenas, cada um seguiu seu rumo e Hércules levou o cinturão para Admete.


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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - As Éguas de Diomedes


Cansada das vitórias de Hércules, Hera decidiu colocar o bastardo de Zeus contra seus netos, filhos de Ares, o deus da guerra e filho legítimo da deusa com Zeus. Inspirou, então, Euristeu a definir o oitavo trabalho: trazer as quatro éguas carnívoras de Diomedes, chefe dos Bistônios (povo não grego da selvagem e inóspita Trácia) e filho do deus Ares com uma mortal. Dizia-se que Diomedes dava seus inimigos e estrangeiros perdidos na costa do Mar Negro para suas éguas se alimentarem. De tão descontroladas, Podargo, Lâmpon, Xanto e Dino viviam presas por pesadas correntes no estábulo. Alguns diziam que as éguas tinham mandíbulas de bronze, soltavam fogo e fumaça pelas narinas.

A caminho da Trácia, Hércules passou por Feras para encontrar Admeto, que conhecera entre os Argonautas. Algum tempo antes, o rei tivera o privilégio de ter o deus Apolo sob suas ordens, que estava sendo castigado por Zeus por ter matado ciclopes em represália pela morte de seu filho Asclépio. Apolo afeiçoou-se a Admeto e o ajudou a conquistar Alceste, filha de Pélias, que havia sido prometida àquele que fosse até ela num carro puxado por leões e javalis. O deus também pediu às Moiras que tecessem mais um fio de vida ao rei caso alguém concordasse voluntariamente em substitui-lo. Acreditando ser amado e ter servos lhe devendo favores, Admeto não se preocupou. Porém, nem mesmo seus pais se habilitaram, somente a jovem e apaixonada Alceste se ofereceu. Admeto se recusou a perdê-la, mas as Parcas aceitaram a troca.

A morte de Alceste, tela de Pierre Peyron (1785)
Hércules enfrenta a Morte por Alceste. Óleo de Frederic Leighton (1870).

Enquanto Admeto ia recuperando as forças, Alceste adoecia. Hércules chegou à região e foi recebido pelo rei, que, para não perturbar o herói, fingiu que nada acontecia. Hércules comeu e bebeu além da conta, mas percebeu que ninguém acompanhava de sua alegria. Forçou um dos serviçais a contar o que acontecia. Chateado com seu próprio comportamento, decidiu esperar Tanatos, a Morte personificada, na porta do quarto da jovem. Com sua força e um laço de diamantes, o herói agarrou Tanatos e o obrigou a desistir do acordo. Alceste foi se recuperando e pode continuar a viver ao lado de seu amado Admeto. Outra versão dessa história, diz que, assim que Alceste aceitou morrer no lugar do amado, Perséfone se comoveu e desfez o acordo das Parcas com Apolo.

Hércules, então, navegou para a Bistônia com um grupo de voluntários, entre eles, Abderos, um jovem ousado da Lócrida a quem o herói tinha como companhia (outro eromenos). Rapidamente o grupo dominou os guardiões das éguas antropófagas e as roubou. No caminho para o navio, eles avistaram Diomedes e suas tropas. Hércules pediu que Abderos cuidasse das éguas enquanto ele enfrentava os bistones. O herói e seus amigos abriram um canal nas dunas que separavam a planície do mar e acabaram inundando a região formando um lago que separou e matou parte da tropa bistone. Diomedes ficou frente a frente com Hércules e foi derrubado.

Em sua inexperiência, Abderos acabou sendo devorado pelas éguas. Furioso ao ver seu companheiro em pedaços, o herói resolveu dar Diomedes para que as feras o devorassem. Surpreendentemente, os animais se acalmaram como mágica e Hércules conseguiu dominá-las. Antes de voltar para Micenas, Hércules deu um enterro digno ao jovem com competições atléticas e fundou a cidade de Abdera ao lado do túmulo.

Uma outra versão da história, conta que Hércules resolveu tudo sozinho. As éguas estavam atreladas a uma biga e o herói precisou levá-las junto com o carro para Euristeu. Outros dizem que Hércules atrelou os animais ao seu próprio carro para conseguir dominá-los. Elas representam a perversidade do homem que causa a morte da alma.


Euristeu ofereceu os cavalos à Hera, que novamente pediu para soltá-los. As éguas viveram livres pelas planícies de Micenas e acredita-se que uma delas foi ancestral de Bucéfalo, o famoso cavalo de Alexandre, o Grande. Quando os animais chegaram aos pés do Monte Olimpo, os deuses ordenaram que elas fossem devoradas por lobos selvagens.


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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - O Touro de Creta

Hércules dominando o Touro de Creta, estátua de August Kriesmann, Alemanha.

Euristeu tentava sempre dificultar as tarefas dadas à Hércules. Era hora de mandá-lo para longe, uma vez que o Peloponeso já estava salvo de seus monstros. Como sétimo trabalho, então, o herói deveria trazer o selvagem Touro que aterrorizava a ilha de Creta vivo até seu palácio, fazendo com que ele precisasse lidar com a fera enraivecida nas travessias pelo mar.

Hércules domina o Touro de Creta, estátua
em mármore de Lorenzo Mattielli.
Conta a lenda que Minos, filho do Rei Astério, estava tendo sua sucessão contestada e pediu que Poseidon intercedesse a seu favor, fazendo surgir das águas um sinal de sua legitimidade. Do Mar Egeu, surgiu um belíssimo touro branco com chifres de ouro e cascos de bronze. Poseidon impôs a Minos a condição de que o touro seria sacrificado em seu nome. No entanto, encantado pela beleza do animal*, o rei misturou-o em seu rebanho e sacrificou outro para o deus. O touro divino imediatamente enlouqueceu e começou a devastar a ilha, personificando a fúria do deus dos mares (diziam até que saía chamas de suas narinas). Quando Hércules chegou pedindo autorização para levá-lo, o rei ficou contente.
* Minos tem histórico com touros: sua mãe Europa teria chegado à Creta em um touro enviado por Zeus (ou o próprio deus transformado no animal); e, após recusar o sacrifício à Poseidon, o deus dos mares fez com que a princesa Pasífae se apaixonasse por seu touro e desse a luz ao Minotauro.
Assim que avistou o herói, o touro arremeteu com os chifres baixos. Hércules ficou firme em sua posição até o último momento, quando se jogou para o lado. O animal caiu se estatelou no chão, mas rapidamente se levantou e tornou a investir contra o herói. Dessa vez, Hércules segurou o touro pelos chifres e baixou sua cabeça até as narinas encostarem no chão. A luta de força continuou até o animal cansar: foi o triunfo sobre a força bruta dominadora, uma vez que o touro simboliza o poder descontrolado, o arrebatamento irresistível, a masculinidade impetuosa.

Relevo de Hércules e o Touro de Creta no Templo de Zeus, em Olímpia (470-460 a.C.).

Com um laço, facilmente o subjulgou e, montado em suas costas, atravessou o mar a nado até Micenas. Ao ver o belo animal, Euristeu decidiu sacrificá-lo à Hera, mas a deusa não queria que esse presente viesse de um feito do bastardo de Zeus. Euristeu, então, permitiu a soltura do touro, que correu livre pela Grécia até ser capturado por Teseu nas planícies de Maratona.

O signo de Touro é associado a esse animal mitológico, porém, à lenda do rapto de Europa. Na constelação, as estrelas são representadas como um touro em posição de ataque, com os chifres abaixados, mas formam apenas a cabeça, ombros e membros anteriores do animal, pois sua parte posterior estava submerso tanto no rapto que levou Europa à Creta quanto na derrota para Hércules que o levou à Micenas.

Taurus, ilustração de Johannes Hevelius

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sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Sexta-feira 13

Impossível não se preocupar com uma sexta-feira, dia 13, e a má sorte que pode acontecer nesta data. Segundo matéria da revista National Geographic de 2004, nos EUA, cerca de 900 milhões de dólares são perdidos nas sextas-feiras 13, justamente devido às pessoas que se recusam a fazer qualquer tipo de negócio nesta data. Existe até uma fobia específica: a parascavedecatriafobia (ou frigatriscaidecafobia).

Mas de onde vem isso afinal?
O número 13 é mal interpretado há muito tempo. Gregos e romanos o consideravam imperfeito, por ser um número primo que vem logo após o perfeito 12, um número versátil, divisível por 1, 2, 3, 4, 6 e 12. Eram doze os meses do ano e doze os deuses do Monte Olimpo. O continente perdido de Mu teria sido destruído em um cataclismo de uma sexta-feira 13!

A BRUXA ESCANDINAVA E AS TRAGÉDIAS CRISTÃS
O nome da bela deusa Frigg deu origem às palavras frigadagr e friday, "sexta-feira" em escandinavo e inglês respectivamente. Quando as tribos nórdicas se converteram ao Cristianismo, a deusa foi transformada em uma bruxa exilada no alto de uma montanha que se reunia às sextas-feiras com outras 11 feiticeiras e Satanás (13 participantes) para rogar pragas sobre a humanidade. Essa reunião nefasta de 13 participantes também tem ligação com a lenda escandinava do banquete para 12 convidados que Loki apareceu sem ser chamado e armou uma briga na qual morreu Balder.

A superstição de que convidar 13 pessoas para jantar era desgraça espalhou-se por toda a Europa, reforçada pelo relato bíblico da Última Ceia, quando havia 13 pessoas à mesa, na véspera da crucificação de Cristo - que aconteceu numa sexta-feira. Além disso, o Antigo Testamento judaico dizia que sexta-feira era um dia problemático: Eva teria oferecido o fruto proibido a Adão numa sexta-feira e o Grande Dilúvio teria começado no mesmo dia da semana.

VINGANÇA TEMPLÁRIA
Os dias de glória da Ordem dos Cavaleiros Templários, fundada no século XII em Jerusalém, durante as Cruzadas, estavam próximos do fim no início do século XIV. Rica e poderosa, sua influência na Europa começava a incomodar alguns monarcas, como o francês Filipe IV, o Belo, que resolveu dar fim aos cavaleiros.

Templários sendo queimados.
Em 14 de setembro de 1307, o rei enviou a seus oficiais ordens que só deveriam ser abertas dali a um mês. Reveladas as mensagens, numa sexta-feira, 13 de outubro, os templários que viviam na França começaram a ser presos, torturados, excomungados e queimados na fogueira. Havia métodos brutais de interrogar os presos: um sacerdote teve os pés tão queimados que seus ossos acabaram expostos.

Por cinco anos, enquanto os cavaleiros templários eram perseguidos, o rei tentou convencer o papa Clemente V a extinguir a Ordem. Até que, em 1312, os templários deixaram de existir, abandonados pelo Vaticano e acusados de crimes que não cometeram, como heresia e sodomia.

Em março de 1314, o último grão-mestre da Ordem, Jacques de Molay, antes de ir para a fogueira, teria dito que em um ano todos os que o perseguiram prestariam contas a Deus. Clemente V morreu em abril, Filipe IV em novembro. A data de início das prisões tornou-se, então, um dia de azar.

É DIA DE FESTA EM PORTUGAL
Em Portugal, muitas cidades e vilas celebram a ocasião. A maior festa acontece no castelo de Montalegre, em Trás-os-Montes, onde não faltam bruxas, bruxos, feitiços, teatro e a famosa queimada. Na vila de Vinhais, na aldeia de Cidões, as pessoas reúnem-se à volta de uma grande fogueira para um banquete com produtos locais. Em Cavalinhos, Leiria, as mulheres juntam-se num encontro onde os homens não podem participar.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - As Aves do Lago Estínfale

Mosaico romano em Valencia,
Espanha.
Euristeu voltou a pensar numa tarefa que dificultasse o uso da força de Hércules. O Lago Estínfale, no extremo norte da Arcádia, havia sido invadido por uma revoada de enormes aves fugidas de um ataque de lobos. Como elas se reproduziam rapidamente, em pouco tempo, as aves de Ares dominaram a região pantanosa e destruíram as colheitas. Suas penas e bico eram de bronze, fazendo com que se tornassem intocáveis e mortais. Algumas versões, dizem que elas eram carnívoras com a ferocidade de um leopardo. enquanto outras a referenciavam como harpias - meio aves de rapina, meio mulheres. Euristeu ordenou que Hércules afugentasse o bando.

Hércules atirando nas Aves do Estínfale, tela de Albrecth Dürer, 1500.

Címbalo chinês de bronze. (ilustrativo)
O herói achou que seria fácil, mas seus problemas começaram quando a floresta próxima ao Estínfale foi ficando bem fechada e escura. Pensando numa forma de tirar as aves de seus ninhos, Hércules recebeu a ajuda da deusa Atena, que lhe deu um címbalo de bronze feito por Hefesto. O herói bateu o címbalo e as aves levantaram vôo, clareando a floresta e fazendo um barulho ensurdecedor. Com suas flechas envenenadas, Hércules começou a abater as aves. Existem referências pintadas em ânforas que o herói teria usado uma funda para cumprir a tarefa. As poucas aves que escaparam nunca mais voltaram à Grécia: foram atormentar as pessoas no Mar Negro.

Hércules e as Aves do Estínfale, óleo de Gustave Moreau, 1872.

Uma interpretação mais realista deste mito faz das aves filhas de um certo herói Estínfalo. Hércules as matou, porque eram rudes e lhe negaram hospitalidade, concedendo-a, logo depois, a seus inimigos moliônides, Ctéato e Êurito.

No caminho de purificação do herói, o lago refletia a estagnação e as aves simbolizavam os impulsos e desejos perversos saídos do inconsciente (semelhante ao ditado “cabeça vazia é terreno do Diabo”), que foram derrotadas pelas flechas da espiritualização.


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segunda-feira, 2 de novembro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - As cavalariças de Augias

Vendo que a força de Hércules iria derrotar qualquer criatura, Euristeu começou a testá-lo com tarefas que exigissem outras habilidades. Para a quinta tarefa, ele ordenou que o herói limpasse os estábulos do Rei Augias, da Élida, em apenas um dia e, se falhasse, deveria ficar por lá para sempre.*
* Alguns contadores de história gostavam de dizer que Euristeu começou a temer uma vingança mortal de Hércules. O pavor era tamanho que o rei não conseguia mais controlar seus intestinos quando sabia que o herói estava retornando de alguma das tarefas por ele impostas. E esse embaraço intestinal pode ter sido o que lhe deu a ideia para este trabalho.
Num primeiro momento, podia parecer um simples trabalho, mas dizia-se que o riquíssimo Augias recebeu de presente de seu pai - o deus solar Helios - mais rebanhos de gado, cavalos, cabras e ovelhas do que qualquer um em toda Grécia (outros relatos dizem que era um enorme rebanho de bois presenteados pelos deuses que jamais adoeciam: 300 touros negros de patas brancas, 200 vermelhos, 12 brancos e 1 dourado). Porém, em mais de 30 anos, nem os estábulos nem a área de pasto foram limpos. Toda noite dezenas de pastores ficavam responsáveis por organizar os milhares de animais em meio ao esterco e ao terrível odor.

Mosaico romano (séc. III d.C.) mostra Hércules com
um ancinho para desviar o curso dos rios.
Hércules chegou a Élida sem citar Euristeu, garantindo que limparia os estábulos em um dia se o rei desse em troca um décimo do seu melhor rebanho. Como Augias não acreditava na possibilidade do herói concluir a tarefa, aceitou a aposta. Durante a noite, Hércules preparou sua estratégia que mesclaria força e inteligência. Primeiro, derrubou o muro que protegia a parte de trás dos estábulos. Em seguida, cavou largas valas com as próprias mãos e redirecionou os grandes rios Alfeu e Peneu, que passavam perto, para que fluissem pelo pátio. Em poucos instantes, as águas corredeiras limparam toda a sujeira. O solo da região coberto de esterco acabou adubado e se tornando fértil.

Hércules desvia o curso do Rio Alfeu, óleo de Francisco de Zurbarán (1634)

Quando Augias descobriu que Euristeu estava por trás das ações de Hércules, não só se recusou a pagar a aposta feita como disse que não havia prometido nada. O herói exigiu um julgamento e chamou Fileu, o filho do rei, como testemunha. Como o príncipe falou a verdade (com medo dos rompantes coléricos de Hércules), Augias teve que pagar o combinado, mas baniu seu próprio herdeiro para a casa de familiares fora da cidade. Euristeu não aceitou o cumprimento da tarefa uma vez que o herói foi pago para fazê-lo.

Na simbologia deste trabalho, o estábulo é o inconsciente e o estrume, a deformação banal, enquanto os rios são a própria vida em movimento. Lavar o estábulo significa purificar a alma, livrando o inconsciente da banalidade, através de uma vida ativa, sensata e dignificante.

No retorno para Micenas, Hércules passou em Oleno, na corte de Dexâmeno, durante o banquete de núpcias de sua filha Mnesímaca com o arcádio Azane. O centauro Eurítion raptou a noiva, mas foi morto pelo herói. Uma versão dessa história, diz que Hércules esteve em Oleno antes de realizar o trabalho para Augias e teria cortejado a princesa. Em sua ausência para realizar a tarefa, o centauro violentou a princesa. Ao saber disso em seu retorno, o herói matou Eurítion.


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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - O Javali do Erimanto

Depois de matar dois monstros e trazer vivo um animal dócil como a corça, Euristeu decidiu que Hércules deveria capturar com vida o temível javali que devastava as florestas da escura montanha Erimanto, no extremo noroeste da Arcádia. Era um enorme porco selvagem, com grandes presas e um temperamento agressivo que ia destruindo tudo em seu caminho.

Hércules e o Javali do Erimanto, estátua em bronze de Louis Tuaillon (1904), Berlin.

Hércules e Folo, em ânfora pintada, cerca de 520 a.C.
No caminho para cumprir sua tarefa, o herói encontrou boa hospitalidade na casa de seu amigo centauro Folo, que lhe ofereceu abrigo e carne cozida (centauros só comiam carne crua), no Monte Pélion, na Tessália. Durante a ceia, Hércules solicitou vinho a Folo, mas o centauro hesitou em servi-lo, pois a única garrafa estava prometida como oferenda a Dioniso. O herói conseguiu convencer o amigo e imediatamente o odor intoxicante do vinho atraiu os outros centauros das montanhas que queriam saber quem violou o sagrado presente. Armados com paus e pedras, atacaram Hércules num frenesi de raiva. O herói lançou uma saraivada de flechas contra os centauros, e os poucos que sobreviveram se acuaram e se esconderam na caverna do centauro Quíron, antigo professor de Hércules. Infelizmente, uma seta envenenada acabou atingindo o imortal Quíron, que sofreu um ferimento incurável. Folo, ao arrancar a flecha do corpo de um centauro morto, feriu-se no casco e veio rapidamente a morrer dias depois de forma agonizante por causa do veneno da Hidra contido na flecha. Hércules fez-lhe magníficos funerais, enterrando-o na montanha que passou a ter seu nome.

Cheio de remorso, Hércules seguiu para rastrear o javali - o que não foi muito difícil pois o som do bufar e do bater dos cascos era audível em toda a floresta. Perseguiu o animal até encurralá-lo nos picos nevados do Monte Erimanto, onde aproveitou o terreno escorregadio para desequilibrá-lo e derrubá-lo. Com o javali desacordado, amarrou-o e o levou até o palácio de Euristeu, que, assustado ao ver o animal no ombro do herói, foi se esconder dentro de um caldeirão de bronze.

Hércules, o javali e Euristeu em ânfora pintada, cerca de 525 a.C.

O simbolismo do javali é antiquíssimo e está ligado à autoridade espiritual que desenterra do âmago seus nutrientes, assim como o animal tira raízes de árvores para se alimentar. Apoderando-se do poder espiritual, Hércules deu mais um passo em seu rito de perdão.


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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Mitologia em propaganda de perfume

Há dois meses, a marca de moda Paco Rabanne lançou a fragrância Olympéa, a versão feminina do já famoso Invictus. O anúncio estrelado pela modelo brasileira Luma Grothe tem um visual de mitologia grega, mesmo que a marca o venda para a "Cleópatra moderna". Confira:


Já o anúncio do perfume masculino de 2013 tem um jeitão de atleta de futebol americano (o australiano Nick Youngquest) elevado à divindade:


A Versace também tem seus perfumes mitológicos: Eros (com Brian Shimansky fazendo o deus do amor) e Eros pour Femme (com Lara Stone mostrando quem manda na flecha do deus)



Experimentem!

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - A Corça da Cerineia

Afresco de Adolf Schmidt, séc. XIX.

Diz-se que a ninfa Taígete, para fugir do assédio implacável de Zeus, foi transformada pela deusa Ártemis em uma enorme corça (maior que um touro) com chifres de ouro maciço polido e pés de bronze, que corria com assombrosa rapidez e nunca se cansava. Sua velocidade era tamanha que era capaz de ultrapassar uma flecha e até mesmo conseguiu escapar da própria deusa, quando esta capturou um rebanho de cervos para puxar sua carruagem. Após essa fuga, Hera conduziu a corça para o Monte Cerineia.

Euristeu conferiu esse terceiro trabalho a Hércules, porque sabia que a corça era propriedade sagrada de Ártemis e Hera e isso colocaria o herói contra as deusas. Existem duas versões desta tarefa, que levou um ano para ser realizada e percorreu uma larga extensão de terra até os Hiperbóreos:
  1. Hércules a perseguiu incansavelmente sem nunca alcançá-la, até que, exausta, a corça parou para beber água e foi ferida levemente por uma das flechas do herói.
  2. O herói preparou uma armadilha no Templo de Ártemis com uma rede para não machucar a corça. Assim que o animal entrou no templo para descansar da perseguição, Hércules soltou a rede e o capturou.
Hércules e a Corça, estátua em bronze
de Giambologna
No caminho de volta a Micenas com a corça nos ombros, Hércules encontrou Apolo e uma furiosa Ártemis, que o acusou de sacrilégio e o sentenciou a morte. O herói contou aos gêmeos divinos a razão da captura e seu juramento ao rei Euristeu. A compadecida deusa curou, então, a corça e permitiu que ele levasse o animal sagrado com a condição que ela fosse libertada logo após que o rei a visse. Euristeu decidiu ficar com a corça, no momento que colocou os olhos nela, mas Hércules não podia permitir. Ele disse para o rei vir pegá-la e a soltou, porém ela correu de volta para o templo da deusa.

A simbologia da corça apresenta dois aspectos de interpretação: por ser consagrada a Ártemis carregava pureza e virgindade acentuadamente, mas o bronze em seus pés poderia pervertê-la, fazendo-a apegar-se a desejos terrenos. O metal isolava o animal do mundo profano, mas, ao mesmo tempo, o aterrava, impedindo voos mais altos. Seus chifres de ouro representavam a força da alma, um vigor capaz de preservá-la de qualquer fraqueza espiritual. É como se toda a dificuldade na execução do trabalho fosse necessário para o herói usar de estratégia e delicadeza para lidar com a sensibilidade ambígua inerente ao indivíduo.


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