Antigas histórias colocam
Zeus e
Io como pais de
Hércules, mas, na versão clássica, ele é filho do deus com a princesa mortal Alcmena (Alcmene), filha de Electrião (Eléctrion), rei de Micenas, que por sua vez era filho de
Perseu e
Andrômeda. Alcmena era alta e imponente, por muitos considerada a mais sábia e formosa mulher de Micenas. Suas trancas grossas e sedosas emolduravam um rosto encantador e seus longos cílios escuros adornavam olhos grandes e expressivos.
Electrião teve seu poder ameaçado por assaltantes da Táfia (os teléboas, homens com voz de trovão) que roubaram o gado e lhe mataram seus nove filhos homens. Seu sobrinho Anfitrião, general de Tirinto, encontrou o gado a salvo nos campos do rei da Élida e o comprou. Quando Electrião soube que ele teve que pagar para voltar a ter seus animais, ficou furioso com o sobrinho. Anfitrião atirou sua clava em um touro com tanta força que ela ricocheteou e acertou Electrião, matando-o.
Banido do reino, levou sua amada prima Alcmena para se casar em Tebas, onde foi purificado pelo Rei Creonte. A jovem aceitou o pedido com a condição de que o noivo deveria primeiro vingar seus irmãos mortos. Creonte aceitou ajudar Anfitrião se ele libertasse Tebas da
Raposa de Têumesso, um animal sanguinário que, para conter sua selvageria, recebia mensalmente dos tebanos uma criança do sexo masculino para devorar. Como a raposa era protegida de
Poseidon e jamais poderia ser pega, Anfitrião pediu para Céfalo, rei de Atenas, emprestar-lhe
Lélape, o cão de Zeus que jamais perdia uma presa. Na disputa entre o animal que não pode ser pego e o animal que não perde sua presa, Zeus decidiu transformá-los em pedra e ascendê-los às constelações de Cão Maior e Cão Menor. Anfitrião teve, então, seu exército para se vingar dos teléboas.
Foi justamente quando Anfitrião se encontrava ausente, no cumprimento da tarefa imposta pela noiva, que Zeus pôs em marcha seu plano para seduzir Alcmena (que, em grego, significa “assediada por dois”) e dar ao mundo um herói como jamais houvera, aquele que uniria os Estados Helênicos. Metamorfoseado como Anfitrião, Zeus apresentou-se à jovem contando-lhe detalhes da batalha empreendida, dos golpes certeiros e apresentando como prova definitiva de sua identidade a taça de ouro utilizada pelo monarca derrotado, a qual inclusive ofertou à amada. Durante três dias consecutivos,
Helios não percorreu o céu com o carro do sol, e durante essa longa noite - na qual a deusa da lua
Selene permaneceu em atividade -, o deus dos deuses amou ardentemente Alcmena. Nesse período,
Hermes pediu para
Hipnos colocar o mundo todo para dormir e, assim, não suspeitar da longa noite. Depois, metamorfoseado em Sósia, um escravo de Anfitrião, Hermes guardou o portão.
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Alcmena e Zeus. Gravura de Nicolas-Henri Tardieu. |
Ao retornar, Anfitrião estranhou a reação da noiva, que o tratou com relativa indiferença, visto que esta acreditava já tê-lo encontrado nas noites anteriores. Anfitrião consultou o adivinho Tirésias que lhe revelou o ocorrido*. Irado, colocou Alcmena numa enorme pira e ateou fogo, mas foi detido por uma chuva torrencial enviada por Zeus para apagar as chamas. Compreendendo o sinal divino, Anfitrião reconsiderou e casou-se com Alcmena.
* Em inglês, padrinho é godfather. Esse termo pode ter vindo desse mito, uma vez que a primeira noite de núpcias competiu ao deus e, portanto, o primogênito não pertence ao pai biológico.
Essa compreensão acabou por transformar Anfitrião numa personificação do bom acolhimento. De marido traído e pai não-reconhecido, o rei se tornou aquele capaz de suportar as dificuldades das missões divinas impostas.