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quarta-feira, 19 de novembro de 2025

O mito de Osíris

O mito de Osíris é um dos mais importantes e influentes da religiosidade do Antigo Egito. Ele articula temas essenciais para o pensamento egípcio: a vida que vence a morte, a ordem que vence o caos, a legitimidade do poder real, a fertilidade da terra, a esperança na vida após a morte. Osíris não é apenas um deus morto; ele é um deus que renasce eternamente, assim como o Nilo que transborda e fertiliza o Egito.

Osíris era um dos grandes deuses da Enéade de Heliópolis*. Filho de Geb (a Terra) e Nut (o Céu), ele governava o Egito como um rei justo e sábio. Era o rei civilizador que ensinou aos humanos a agricultura, o cultivo da videira, a criação das leis e os rituais religiosos, símbolo da ordem, fertilidade e renovação.

  • Uma enéade era um agrupamento de nove divindades ligadas entre si por laços familiares. A palavra enéade é de origem grega; em egípcio usa-se a palavra Pesedjete.

Era irmão de Set (deus do caos, da violência e do deserto), Néftis (senhora da casa) e Ísis (deusa da magia e da maternidade). Osíris se casou com Ísis, enquanto Set se casou com Néftis.

Set sentia inveja do prestígio de Osíris. Isso se tornou rancor quando descobriu que sua esposa havia ficado grávida do irmão. Néftis sentia-se negligenciada por seu marido, associado à infertilidade. Ela desejava a fertilidade e a luz de Osíris. Néftis então se disfarçou de Ísis, usando perfumes, roupas e magia para enganar o deus. Dessa união nasceu Anúbis, que viria a se tornar deus dos mortos, da mumificação e da proteção dos túmulos.

Enquanto Ísis entendeu a traição conjugal de Néftis com compaixão e até vê Anúbis como filho*, Set viu sua incapacidade como esposo e figura viril evidenciada, aumentando a rivalidade polarizada com seu irmão (ordem vs. caos, fértil vs. infértil). Além disso, o filho gerado poderia ser interpretado como um herdeiro mais legítimo que qualquer possível filho de Set, ameaçando diretamente sua posição no panteão e entre os vivos.

  • Ísis era devotada, estratégica, sábia: ela sempre agia visando restaurar o cosmos. O adultério não foi apresentado como uma crise conjugal, e sim como uma peça no grande drama de morte e renascimento. Então, ela não reagiu com ciúmes humanos, pois compreendeu que sua irmã sofria com o abandono de Set. Inclusive, Ísis tem Anúbis como um filho, que passa a servi-la e protege o corpo de Osíris, tornando-se o deus mais fiel à ordem funerária. Ísis, Néftis e Anúbis formam uma tríade dos ritos funerários: Ísis fica ao pé do sarcófago, Néftis fica à cabeceira e Anúbis preside o embalsamamento.

O primeiro ataque

Set elaborou, então, um plano para subjugar seu irmão: construiu um belo cofre exatamente do tamanho do corpo de Osíris (o primeiro sarcófago) e, durante uma festa, prometeu presentear quem coubesse perfeitamente nele; quando Osíris deitou no cofre, Set e seus conspiradores fecharam a tampa, selaram-na com chumbo e jogaram o cofre no Nilo. Set determinou, assim, o fim da ordem e o início do caos.

O cofre flutuou pela correnteza, atravessou pântanos e canais, seguiu até o mar e encalhou na costa da Fenícia (Líbano atual). Encostado em uma árvore (um tamarisco ou um sicômoro), acabou tendo a madeira crescendo ao redor: o sarcófago passou a fazer parte da árvore.

O rei da cidade de Byblos, sabendo da beleza do tronco, mandou derrubar a árvore para usá-la como coluna do palácio. O corpo de Osíris passou a sustentar metaforicamente o palácio de um rei estrangeiro, e o reino misteriosamente começou a prosperar.

Ísis começou, então, uma jornada mágica e diplomática. Ela chegou à cidade sem revelar quem é. Ela se instalou perto de uma fonte – em versões, sob a forma de simples viajante, criada ou mulher silenciosa de semblante nobre. As criadas da rainha de Byblos a encontraram, encantaram-se com sua dignidade e a levaram ao palácio para se tornar a ama de um dos príncipes. Certa noite, Ísis colocou o bebê nas chamas para queimar sua mortalidade e foi surpreendida pela rainha, que gritou e interrompeu a magia. Nesse momento, a deusa revelou sua natureza e todo o palácio percebeu que estava hospedando uma divindade.

Ísis disse, então, ao rei e à rainha: “Eu busco o corpo de meu marido. O que vocês chamam de coluna é meu tesouro.” Desesperado por ter tocado algo sagrado, o rei entregou a coluna imediatamente. A deusa retirou o sarcófago de Osíris da coluna e o abraçou. Entoou os primeiros lamentos sagrados (manjeres) e, em seguida, abriu a tampa do cofre para ungir o corpo, perfumá-lo com leite de tamarisco (símbolo de renascimento) e envolvê-lo com linho. Ísis levou o corpo escondido em um barco para o Egito e o ocultou em território sagrado, nas ilhas pantanosas do Delta.

O segundo ataque

O problema é que Set caçava na região e reconheceu o corpo recuperado de Osíris. Furioso,desmembrou-o em várias partes – para evitar a ressurreição –, espalhando-os pelos nomos* (províncias) do Egito.

  • Apesar de haverem textos e iconografias que aumentam o número de partes em que Set desmembrou o corpo de Osíris (até 42 nomos, inserindo as vísceras), o mais tradicional é afirmar que foram 14 partes por estar ligado às fases da lua (14 dias de lua crescente e 14 dias de lua minguante): cabeça, braço direito, braço esquerdo, mão direita, mão esquerda, peito/coração, coluna (djed), abdômen, pênis (que não foi encontrado e, por isso, não são 15 partes), nádegas, perna direita, perna esquerda, pé direito e pé esquerdo. O ciclo lunar foi associado à morte e ao renascimento de Osíris.

Para os egípcios, Ísis era a única capaz de recompor um corpo morto, acordar a força vital (ka), ativar magia com palavras verdadeiras (heka) e gerar vida a partir da morte. Então, tomada pelo luto, Ísis partiu sozinha em busca dos fragmentos de seu marido. Ela vestiu roupas de viajante, cortou o cabelo, abandonou seu status de rainha e adotou o papel da viúva peregrina divina. Navegou pelo Nilo num pequeno barco de papiro (eram considerados protegidos contra crocodilos, que não atacavam por respeito à deusa). Ela consultou serpentes, crocodilos, pássaros, espíritos do Nilo, e até crianças (que eram consideradas puras e capazes de ver o invisível).

A tradição varia, mas muitas fontes colocam a cidade de Abydos como o primeiro local onde Ísis encontrou um pedaço de Osíris: o coração, o centro da vida e o início da restauração da ordem. Cada vez que Ísis encontrava um pedaço, ela chorava por ele (e o Nilo inundava), purificava-o, envolvia-o em linho, realizava pequenos rituais funerários, e seguia adiante.

Cada cidade que guardava um fragmento (uma relíquia sagrada) erguia um santuário para Osíris (“túmulos de Osíris”). Assim, o corpo de Osíris tornou-se um mapa de todo o Egito e criou uma geografia sagrada: cada parte do corpo, um nomo, um ponto de poder ritual.

Ressurreição mágica e fálica

A única parte que Ísis não encontrou foi o pênis de Osíris, que teria sido engolido por um peixe (oxirrinco, lepidoto ou fagrus, dependendo da versão) ou se perdeu nas águas primordiais do Nilo. Comer o tal peixe chegou a ser proibido em várias partes do Egito, pois seria ingerir simbolicamente a energia sexual divina, profanar o princípio da fertilidade e se apropriar do que não pertence aos humanos.*

  • No Egito, o poder sexual divino não é visto como luxúria, mas como força vital e princípio de continuidade do cosmos. Então, o falo de Osíris não é apenas uma parte do corpo perdida: é um eixo simbólico que une morte, fertilidade, sexualidade ritual, poder criador e a própria ordem do cosmos. Enquanto os outros fragmentos do corpo foram distribuídos pelos nomos, o falo “saiu da terra”, não está em templo nenhum (não há reivindicação territorial de posse), não pode ser possuído por sacerdotes (não há monopólio de poder), não é encontrado por nenhuma divindade. Ele é o ausente, o irredutível, a parte que não retorna ao mundo material, e isso não é falha, é excesso. Isso transforma o falo de Osíris em um mistério, não um objeto. O falo é invisível porque é onipresente, não localizado, cósmico. Ele não poderia, dentro do mito, existir como simples órgão. O falo perdido também tinha uma leitura agrícola, pois ele se torna a semente dispersa pelo Nilo, que fertiliza tudo. Osíris é o grão que morre e renasce, já que seu corpo foi semeado pela terra do Egito. Ele torna Osíris mais do que um morto recomposto: ele se torna a própria força geradora que permeia o Nilo, a terra e as plantas. Assim como o Nilo fertiliza o Egito, Osíris fertiliza a terra com sua própria morte e renascimento.

Quando Ísis encontrou o último fragmento (normalmente a cabeça ou os pés, dependendo da tradição), ela retornou ao local onde havia reunido todos os fragmentos encontrados para realizar um ritual de ressurreição que culminou na primeira mumificação da história. Com a ajuda de Néftis, Anúbis (como filho adotado) e Thot (deus da palavra), Ísis desembrulhou os fragmentos, purificou-os e perfumou-os novamente (embalsamamento), e reintegrou-os ao corpo, embrulhando-os em novas faixas de linho.

Mas sem o pênis, faltava o ponto que permitiria dar continuidade à linhagem e restaurar a ordem cósmica, o eixo criador que faz a vida atravessar a morte. Fontes egípcias descrevem a reconstrução do falo de forma velada, mas consistente. Primeiro, Ísis insuflou o sopro da vida, ou seja, atraíu o ka de Osíris de volta ao corpo, não para reanimar o cadáver, mas para despertar seu poder criador: em alguns textos, ela é chamada de “Aquela que faz o ka se erguer.” Em seguida, a deusa nomeou o falo usando palavras mágicas (hekas) e isso criou seu princípio. Um trecho comum nos hinos diz: “O que Ísis nomeia, toma forma.”, pois no Egito a palavra não descreve, ela faz existir.

Alguns textos falam de uma modelagem simbólica, onde Ísis teria moldado um falo feito de ouro (incorruptibilidade e eternidade), cera ou lama do Nilo, dependendo da tradição. Em textos tardios, ele é chamado de “falo dourado”, “o membro criado pela magia”, “o pilar da vida”. Porém, ele é entendido mais como um princípio de criação do que como um peça anatômica.

Concepção divina

Por fim, Ísis se transformou em um milhafre* (falcão feminino) e planou sobre o corpo de Osíris, batendo as asas sobre ele até pousar em seu peito. Esse movimento simboliza a união ritual e a fecundação divina, pois, nesse momento aconteceu a transferência da potência criadora de Osíris para Ísis e, assim, a deusa fica grávida. Os textos dizem: “Ela recebeu a semente do deus.”, “O vento da vida passou para dentro dela”, mas através de um processo mágico-cosmogônico e não biológico. A iconografia nunca mostra o ato, justamente por não se tratar de sexualidade humana: não foi um ato sexual, mas litúrgico e cósmico.

  • No Egito antigo, milhafre era a ave da maternidade e do luto, pois vocalizaria sons semelhantes a lamentos humanos.

No Egito, a sexualidade divina é simbólica e não biológica, pois os deuses não estavam presos às limitações físicas humanas. O poder sexual divino não era visto como luxúria, mas como força vital e princípio de continuidade do cosmos. Então, o falo de Osíris não era apenas uma parte do corpo perdida ou um instrumento de prazer e reprodução biológica: era um eixo simbólico que une morte, fertilidade, sexualidade ritual, poder criador e a própria ordem do cosmos. Enquanto os outros fragmentos do corpo foram distribuídos pelos nomos, o falo “saiu da terra”, não estava em templo nenhum (não há reivindicação territorial de posse), não podia ser possuído por sacerdotes (não há monopólio de poder), não foi encontrado por nenhuma divindade. Ele é o ausente, o irredutível, a parte que não retorna ao mundo material. Isso transforma o falo de Osíris em um mistério, não um objeto. O falo é invisível porque é onipresente, não localizado, cósmico. Ele não poderia, dentro do mito, existir como simples órgão.

Osíris voltou à vida, mas não retornou à Terra: ele se tornou o Senhor do Duat (o mundo dos mortos), o Juiz das almas, símbolo de ressurreição, fertilidade e ciclo da natureza. Osíris é o grão que morre e renasce, já que seu corpo foi espalhado pelo Egito. O gesto de Isis de recriar o falo é, simbolicamente, a germinação, a fecundação da terra pela água do Nilo, o retorno da vida após a inundação. Assim como o Nilo fertiliza o Egito, Osíris fertiliza a terra com sua própria morte e renascimento. Então, o falo perdido transforma Osíris em mais do que um morto recomposto: ele é a semente dispersa pelo Egito, a própria força geradora que permeia o Nilo, a terra e as plantas.

Hórus, o herdeiro da ordem cósmica, surgiu da concepção divina, com cabeça de falcão. O deus cresceu escondido para escapar do ódio de Set. Ao atingir a idade adulta, lutou contra o tio para reclamar o trono de seu pai. Após uma longa série de combates e julgamentos divinos, Hórus venceu. Assim, o faraó vivo passou a ser identificado com Hórus, e o faraó morto, com Osíris.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Oiá / Iansã

Ilustração de Carybé
Na mitologia nigeriana Yorubá, o nome Oiá (Oyá) provém do rio de mesmo nome – atualmente chamado de rio Níger –, onde seu culto é realizado. Filha de Aganju e Iemanjá, é tanto uma divindade das águas como sua mãe e Oxum, quanto do ar, sendo uma das que controla os ventos.

Assim como a deusa Obá, Oiá também está relacionada ao culto dos mortos, onde recebeu de Xangô a incumbência de guiá-los a um dos nove céus de acordo com suas ações, para assumir tal cargo recebeu do feiticeiro Oxóssi uma espécie de erukê* especial chamado de Eruexim, com o qual estaria protegida dos eguns (maus espíritos).

O nome Iansã (Inhansã) trata-se de um título que Oiá recebeu de Xangô, seu marido. Faz referência ao entardecer, "a mãe do céu rosado" ou "a mãe do entardecer". Era como ele a chamava, pois dizia que ela era radiante como o entardecer. Costuma ser reverenciada antes de Xangô, como o vento personificado que precede a tempestade. Na saudação, pedem clemência para que ela apazigue o deus das tempestades. Entre os orixás femininos é uma das mais imponentes e guerreiras, sendo associada à forte sensualidade.

Os devotos costumam lhe oferecer sua comida favorita, o àkàrà (acarajé), ekuru e abará. No candomblé as cores utilizadas para representá-la são o rosa e o marrom. No Brasil, foi sincretizada à Santa Bárbara e sua comemoração é no dia 4 de dezembro. Já na Santeria cubana, está associada à imagens de Nossa Senhora da Candelária, Nossa Senhora da Anunciação e Santa Teresa.

* Apetrechos da cultura afro-brasileira confeccionados com cauda de boi, de búfalo ou de cavalo, com as finalidades de afastar os maus espíritos, eliminar as adversidades da comunidade e atrair a fartura e prosperidade. Na África, nobres os usam como símbolos de status e para espantar moscas.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Día de Los Muertos

A única certeza que todos os homens e mitologias sempre dividiram é a Morte. Causadora de tantos medos, ela é encarada de forma bem diferente dependendo da sua localização geográfica. Em muitos países, é motivo de choro e luto demorado. Em outros, os doentes e idosos fazem de tudo para morrer em determinado lugar. E existem os países que encaram a morte de frente. E com festa!


Día de Los Muertos comemora as vidas dos ancestrais, que nessa época voltam do outro mundo para visitar os vivos. Os povos indígenas mesoamericanos – há relatos da celebração em povos náuatles (astecas), maias, tarascanos e totonacas há, no mínimo, três mil anos – tinham cerca de um mês inteiro dedicado aos mortos: o nono do calendário asteca, equivalente ao nosso agosto. Na era pré-hispânica era comum a prática de conservar os crânios como troféus, e mostrá-los durante os rituais que celebravam a morte e o renascimento. As festividades eram presididas pela deusa Mictecacihuatl, a Dama de la Muerte, esposa de Mictlantecuhtli, senhor do reino dos mortos.

Quando os espanhóis chegaram naquelas terras, se assustaram com esses costumes e logo trataram de cristianizar a celebração, que teve a data alterada para coincidir com o Dia de Finados católico. A festa como conhecemos é recente: em 1960, o governo criou um feriado nacional, incluiu a festa no currículo escolar e passou a incentivá-la como um ícone da identidade mexicana forma do pelo sincretismo religioso, que mistura Virgem Maria, crucifixos e vários elementos da crença asteca. Sua singularidade e importância cultural a fez ser reconhecida pela UNESCO, em novembro de 2003, como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Segundo a crença popular, neste dia os mortos têm permissão divina para visitar seus parentes vivos. As ruas e as casas são enfeitadas com flores, velas e incensos. As tumbas são decoradas e os vivos levam oferendas aos mortos. As famílias preparam verdadeiros banquetes, as pessoas se enfeitam de fantasias e máscaras (a maioria como caveiras coloridas) e as crianças se divertem. Nos cemitérios. De noite. E com os mortos.


Entre oferendas e decorações, um arco de flores simboliza a passagem usada pelos espíritos. Algumas famílias têm o costume de abrir os túmulos e retirar os mortos para limpar os restos mortais deles. Depois colocam os mortos nas tumbas para mais um ano de descanso, claro.

Um dos símbolos mais tradicionais da festa é a caveira decorada, conhecida como La Catrina. O nome vem de uma gravura do artista José Guadalupe Posada, que mostra a caveira de uma mulher da alta sociedade, vestindo um enorme chapéu decorado com flores. A ideia é mostrar que mesmo tendo status e riqueza em vida, somos todos iguais após a morte.


Caveiras coloridas aparecem na decoração, nas fantasias, nas maquiagens e até mesmo em forma de doce, feita de açúcar. Essa guloseima é um presente para mortos e vivos, mas não é a única comida típica da época. Vale também levar a comida que o morto gostava, brinquedos para crianças e tequila para os adultos, tudo para animar a celebração. A festa tem até cronograma organizando a chegada dos antepassados: entre 31 de outubro e 1º de novembro, os mexicanos celebram as almas que morreram quando crianças, no Día de los Angelitos, ou Dia dos Anjinhos; já o dia seguinte é dedicado a quem foi para o outro mundo durante a vida adulta.

A festa dos mortos afeta vários aspectos da sociedade mexicana. Os jornais ficam cheios de charges e quadrinhos de esqueletos. E também são comuns as peças de teatro que contam a história de Don Juan Tenorio, drama escrito pelo espanhol José Zorrilla y Moral, mas que aparece de várias formas na cultura latina. Don Juan é um sujeito que vive para seduzir mulheres e lutar com homens.

Recentemente a animação Coco (A vida é uma festa, no Brasil), da Disney/Pixar apresentou diversas características desta celebração familiar.

PELO MUNDO
A grande comunidade mexicana no EUA levou as tradições do Día de Los Muertos para diversos estados, como Texas, Arizona e Los Angeles.

Dia de los Ñatitas (Dia das Caveiras) é um festival celebrado na Bolívia em novembro. Nos tempos pré-colombianos, indígenas andinos tinham o costume de partilhar um dia com os ossos de seus antecessores no terceiro ano após o sepultamento (hoje somente as caveiras são usadas). Tradicionalmente, a caveira de um ou mais membros da família são mantidas em casa para tomar conta da família e protegê-la durante o ano. No dia 9 de novembro, a família coroa a caveira com flores frescas, às vezes também as vestindo com peças de roupa, e fazendo oferendas de cigarros, folhas de coca, álcool, e vários outros itens em agradecimento pela proteção durante o ano. As caveiras também são, por vezes, levadas ao cemitério para uma missa especial e bênçãos.

No Haiti, as tradições vudus se misturam aos sincretismos da celebração. Tambores e músicas retumbantes são tocadas por toda a noite pelos cemitérios para acordar o Baron Samedi, Senhor dos Mortos, e seu descendente, o Gede.

República Tcheca, Portugal e Espanha também celebram o Dia de Finados com oferendas, doces e brinquedos, porém, o mais comum na Europa é a visitação aos túmulos para a colocação de flores e velas com rezas. Em algumas comunidades germânicas e anglo-saxãs, comida é deixada na mesa de uma sala aquecida como um jantar para as almas.

Nas Filipinas o feriado Araw ng mga Patay (Dia dos Mortos) é uma reunião familiar, quando as tumbas são limpas ou repintadas, velas são acesas e flores são oferecidas. As famílias acampam por um ou dois dias nos cemitérios, realizando atividades comuns junto às tumbas de seus parentes.

Durante o Festival da Vaca (Gai Jatra) no Nepal, toda família que perdeu um membro durante o ano anterior deve fazer uma construção de bambus, panos e papéis decorativos com retratos dos falecidos, chamada gai. Dependendo dos costumes locais, uma vaca viva ou uma réplica são usadas durantes os rituais de celebração, uma vez que que, tradicionalmente, é esse animal que guia o espírito do morto no outro mundo.

Japoneses (Bon Odori), coreanos (Chuseok) e chineses (Ching Ming) também realizam festivais de limpeza das sepulturas e oferendas.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Yama

De acordo com uma lenda, Yama foi um rei mítico que se tornou o primeiro homem a morrer e, portanto, o primeiro homem a ter sua alma julgada. Os deuses – com consentimento de Vivasvat, o sol – então o colocaram como árbitro final do destino dos que acabam de morrer. A sentença pronunciada por Yama decide se o destino final da alma é ascender às esferas celestes, outrora governada por ele; se deve voltar à terra para continuar a viagem rumo à salvação, no ciclo de reencarnações; ou se deve ser consignada, para sempre, a um dos muitos infernos do hinduísmo.

Mas, com o tempo, Yama tornou-se uma figura aterrorizante, o deus hindu da morte, príncipe dos infernos e juiz dos mortos. Com vestes vermelhas, carrega um laço, com o qual puxa as almas dos corpos dos moribundos. Um rio circunda seus domínios, cuja entrada é guardada por dois cães, cada um com quatro olhos. O símbolo budista da Roda da Vida é mostrado entre os braços e maxilares de Yama.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Mictlantecuhtli

Mictlantecuhtli era o senhor tolteca do reino dos mortos e deus do mundo inferior (Mictlan), onde reinava com sua esposa, Mictecacihuatl.

O reino dos mortos tinha várias áreas. Para a parte gelada e sombria, iam os que não tinham o direito a nenhum lugar nos céus. Ali, eles comiam cobras venenosas, o único alimento disponível. Quando alguém morria de causas naturais, seu corpo era vestido com roupas finas e colocado sobre uma pira funerária com um pacote de alimento e um cão vermelho – previamente morto num ritual – e queimava por três dias, antes de entrar no Mictlan. Para chegar à parte pacífica e silenciosa, a alma da pessoa morta tinha de empreender uma perigosa viagem com ajuda do cão através de oito florestas sombrias, oito desertos, oito montanhas e um rio caudaloso e traiçoeiro.

A aparência do deus indicava claramente seu papel: era representado como um esqueleto de ossos muito brancos, dentes muito salientes num crânio descarnado, e coberto de manchas de sangue. Freqüentemente homenageado com penas de corujas e ornamentos de papel na cabeça, ele usava um colar de olhos.

Os presentes mais comuns oferecidos ao deus no mundo inferior eram tiras de pele humana arrancadas dos corpos, e durante a festa, no templo Tlalxicco, o suposto umbigo do mundo, um homem que representava o papel do deus era sacrificado à noite. Os astecas adotaram o culto a esse deus dos toltecas.

terça-feira, 15 de março de 2016

Heróis do Olimpo - O filho de Netuno

Há três anos li e resenhei o livro O herói perdido, primeiro da segunda saga de Percy Jackson e cia. Retomei a saga e já terminei o segundo livro - O filho de Netuno - que irei comentar agora.

Lembrando... no primeiro livro, Percy estava desaparecido, três novos semideuses foram apresentados junto à uma nova profecia e os deuses agora aparecem em suas versões romanas. Como eu havia dito, a premissa é a mesma da primeira saga, tendo Gigantomaquia como nova base e a grande vilã é Gaia.

Esse segundo livro acontece ao mesmo tempo que o primeiro, mas nesse ficamos sabendo o motivo da ausência de Percy. Fica difícil de entrar em mais detalhes sem dar spoiler, mas em determinado momento você se sente meio enganado... do tipo já li isso antes... A questão é que o interessante deixa de ser a saga em si, mas cada novo personagem que conhecemos. Talvez esse seja o grande talento de Rick Riordan: saber escrever os perfis e enredos de cada um que aparece e ir apresentando isso em doses homeopáticas. É isso que faz a gente ir lendo, lendo, lendo, até um final que não é final nenhum... afinal é só o segundo de cinco livros.

Dessa vez o autor mergulha na Morte... não só na sua personificação mitológica Tanatos, mas também no Reino Inferior e seu deus, Hades/Plutão. Novos gigantes são mencionados e o lado militarizado do Império Romano torna-se imprescindível.

Ter a Mãe-Natureza como inimiga pode ser um interessante questionamento, mas é preciso ver aonde isso tudo vai chegar.

domingo, 9 de agosto de 2015

Ixtab

Ixtab, deusa maia guardiã dos suicidas, presidia o Paraíso dos Abençoados. Reunia todos os que tinham se suicidado por enforcamento e enviava seus espíritos diretamente para o paraíso. Lá, juntamente com os soldados que haviam morrido nos campos de batalha ou como vítimas de sacrifícios, as mulheres que pereceram durante o parto e membros do sacerdócio, eles levavam uma vida de prazeres, premiados com comidas e bebidas deliciosas e repousando sob a sombra de uma árvore agradável (Iaxche), livres de todos os desejos.

A aparência de Ixtab indica sua função: ela é retratada como uma mulher enforcada, pendurada no céu, com uma corda ao redor do pescoço. Seus olhos fechados e as bochechas mostram os primeiros sinais de decomposição.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Yambe-Akka

Na mitologia lapônica, Yambe-Akka era “a velha mulher da morte” que governava o Subterrâneo, um mundo semelhante à Terra, excetuando-se o fato de que os espíritos andavam no ar. Dizia-se que a entrada para o Subterrâneo ficava na foz de um rio que deságua no gelo ártico.

domingo, 8 de julho de 2012

Ah Puch

Ah Puch, o Descarnado, é um dos soturnos governantes do Xibalba, o inferno maia. Associado àmorte, à noite, à guerra e aos sacrifícios, era o responsável pelo Mitnal, o último nível do submundo, o mais profundo e desagradável. Era também chamado de Kisín (o flatulento), Hun Ahau (morte única), Yum Kimil (senhor morte) e Vucub Camé (sete mortes).

Muito temido pelos maias, dizia-se que Ah Puch escondia-se de modo assutador na casa dos mortos e moribundos, pronto para levar suas almas, como um ceifador. Acreditava-se que a única maneira de escapar de suas atenções era gritando e gemendo de uma forma bem convincente para que o deus acreditasse que o moribundo já estivesse recebendo alguma punição de seus demônios menores. Assim, ele sairia triste por não levar uma alma, porém feliz de saber que a tortura estava sendo realizada.

Muan, era sua coruja-mensageira que levava as más notícias à humanidade. Até hoje persiste a lenda que, quando uma coruja pia, alguém próximo morre. Se você a ouvir, respire fundo e conte até dez. Aliás, Ah Puch é patrono do número dez. Também era visto com cachorros e morcegos.

Normalmente era representado como um esqueleto em estado de putrefação. Seus chapéus são bem variados: ou a cabeça de um jaguar, ou de um boi ou de uma coruja, que podiam ser adornados com olhos humanos. Cascavéis aparecem enroladas em seu corpo ou como cabelos, com seus chocalhos representados como sinos. No Poço de Sacríficios de Chichen Itzá (sagrada cidade maia), foram encontradas inúmeras cascavéis de bronze e de ouro, provavelmente, dos corpos imolados em nome dos deuses.

Ah Puch é a antítese de Itzamna, o complemento das forças da vida que harmonizavam o dinamismo cósmico. É identificado com o Mictlantecuhtli dos astecas, enquanto o Mitnal parece nos trazer uma representação de inferno próximo ao que Dante Alighieri criou na Divina Comédia, com nove círculos, sendo o nono o mais profundo.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Vucub-Caquix e seus filhos

No Popol Vuh - antigo documento quechua -, Vucub-Caquix ("sete araras") era um monstruoso e gigantesco pássaro-demônio que pretendia ser o astro-rei da antiga criação (antes da atual, logo depois do dilúvio). Carregava um falso sol em seu bico, causando infelicidade pelo mundo.*

O demoníaco abutre foi abatido pelos irmãos gêmeos heróis, Xbalanque e Hunahpu, que o atingiram com dardos de zarabatanas. O monstro caiu dos céus em chamas para o Xibalba (inferno maia) e se tornou um deus da morte.

Outra lenda conta que os gêmeos herói se irritaram com a arrogância do deus-demônio e dediriam matá-lo. Para tal, se esconderam sob a árvore favorita dele e o atacaram com suas zarabatanas. Enfurecido, Vucub-Caquix arrancou o braço de Hunahpu e escapou. Os gêmeos, então, convenceram um casal de idosos para posar como curandeiros, oferecendo-se para curar seus olhos e dentes. O velho casal enganou o pássaro, dizendo-lhe que precisaram substituir seus olhos de metal e seus dentes de jóias e turquesas. O abutre concordou, e eles substituíram por grãos de milho. Vucub Caquix perdeu seu poder e morreu rapidamente.


É também chamado de Vucab-Cakix, Vucub-Came e Gucup-Caquix.

Com sua esposa Chimalmat, teve dois filhos tão malignos quanto ele: os gigantes montanhosos Cabrakán, deus dos terremotos, e Zipacná, o empilhador de terra. Ambos também tiveram seu fim pelas armadilhas dos gêmeos. Cabrakán foi enterrado depois de comer galinhas envenenadas e Zipacná foi esmagado por uma montanha enquanto comia um caraguejo preparado pelos heróis.

* Uma curiosidade: acredita-se que esse monstro esteja representado na constelação de Cygnus (Cisne), onde em seu "bico" existe uma estrela misteriosa (X-1) que se tornou uma supernova e, consequentemente, um buraco negro.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Os Tuoni

Tuoni era o deus de Tuonela (ou Manala), o mundo dos mortos na mitologia finlandesa. Era casado com Tuonetar, a rainha dos mortos, e ambos tiveram um filho (Tuonen Poika) e cinco filhas horrendas:

  • Kalma: Deusa da decadência. Pode perceber fenômenos paranormais e retirar energia astral de seres vivos.
  • Vammatar: Deusa da desgraça, do azar da magia negra.
  • Kipu-Tyttö: Deusa das doenças. Como uma sereia, fica sentada numa pedra em Tuonela, cantando o nome das doenças que irá espalhar. Seu rosto é cheio de marcas.
  • Kivutar: Deusa da dor e da angústia.
  • Loviatar: Deusa cega da praga. Teve nove filhas monstruosas, deusas de doenças distintas - Rutto (Praga), Ähky (Cólica), Paise (Úlcera), Luuvalo (Gota), Syöjä (Câncer), Rupi (Sarna), Riisi (Raquitismo), Pistos (Pleurísia) e uma inominável relacionada à inveja.

Tuonela (1934), xilogravura de Paul Landacre (1893-1963)
Tuonela era exatamente como o mundo dos vivos, só que escuro e silencioso, cheio de demônios e rodeado por um rio negro (Tuonelan Joki ou Tuoni Manalan) que só podia ser atravessado pela barca de Tuonen Tytti, a serva da morte (similar a balsa de Caronte na mitologia grega). Na entrada de Tuonela, está Surma, uma monstruosidade canina que evita a entrada de estranhos (bem semelhante ao mito grego de Hades e Cérbero, ou a Garm, o lobo nórdico). Algumas lendas, colocam Surma como um impiedoso guerreiro, a personificação da morte. Utilizava um espada de obsidiana para rasgar os vivos e mandar seus espíritos para os Tuoni.

Enquanto os velhos e decrépitos Tuoni e Tunetar guiavam os espíritos para Tuonela por 30 dias (às vezes 40), suas filhas se encarregavam de preparar a mesa do banquete que era servido em sua chegada. Quem se alimentava, não podia voltar ao mundo dos vivos (semelhança com o mito grego de Perséfone). Alguns espíritos ainda ficavam rodeando seus parentes vivos na forma de fantasmas ou possuindo animais. Esses eram capturados por Kalma, que rondava cemitérios atrás deles. Em Tuonela, os mortos permaneciam em sono eterno.

Apesar de longevos, os Tuoni não eram imortais. Podiam ser feridos por armas humanas, mas se curavam quase instantaneamente. Seria preciso uma dispersão total de suas moléculas para que isso não acontecesse. Tinham força e resistência sobre-humanas.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Nergal

Nergal (ou Nirgal, Nirgali) é o deus babilônico do submundo, filho primogênito de Enlil, deus do ar, com Ninlil, deusa dos cereais. Nasceu do estupro sofrido por sua mãe, diante dos portões do reino infernal de Ereshkigal. Com aspecto de touro e leão, é um deus do mal que traz guerra, peste, febre, devastação e morte.

Ele é o tema de um poema acadiano, que descreve sua transição do céu para o inferno. Viveu toda a sua infância e juventude entre os deuses, sempre provocando-os e ofendendo-os. Sua impáfia era diversão para os deuses, até o dia em que ofendeu Namtar, a representante de Ereshkigal. Todos sabiam que a rainha do Inferno não o deixaria sair livre. Aconselhado por Enki, deus da sabedoria, a pedir desculpas, Nergal construiu um trono de cedro sagrado para entregar a deusa em seus reinos. Despido de suas armas e brasões reais, Nergal precisava recusar qualquer presente ou ajuda oferecida.

Mas, achando que estava falando com uma deusa velha, Nergal fez tudo diferente: após atravessar os nove portais do grande palácio de cristal e lápis-lazuli de Ereshkigal e ajoelhar perante o trono da deus - que estava escondida por um manto negro - Nergal puxou uma arma e mentiu dizendo que fora enviado pelo grande An para tomar os reinos da deusa. Fingindo-se ameaçada, Ereshkigal disse que só iria se decidir após um banho. Nergal foi espiá-la e se submeteu a fenomenal beleza da deusa, comendo, bebendo e aceitando todos os encantos disponíveis por seis dias. No sétimo dia, lembrou das palavras de Enki e fugiu em segredo com medo do que viria a acontecer. Mas Namtar viu a fuga e contou para a deusa. Furiosa e magoada, Ereshkigal enviou Namtar até a morada dos deuses para trazer o deus. Mesmo apaixonado, Nergal temia perder a vida gloriosa que tinha entre os deuses, então, Enki interveio se utilizando de um encanto para mudar sua aparência. Namtar não pôde reconhecê-lo e voltou de mãos vazias. Como retaliação, Ereshkigal tornou a terra infértil e provocou fome na humanidade. Temerosos, os deuses pediram que An solucionasse o problema e o grande deus obrigou Nergal a retornar ao Inferno para se casar com Ereshkigal e governar ao seu lado.

Algumas placas sumérias contam que Nergal teria traído seu irmão Marduk, unindo-se a Ninurta e Nannar-Sin na grande batalha pelo controle da Terra em 2000 a.C.

O centro principal de seu culto era a cidade Kuthu e seus atributos eram a maça e a foice. Por ser uma divindade desértica, muitas vezes foi considerado o aspecto sinistro do deus sol Shamash (seria o sol escaldante do meio-dia e os solstícios). Na mitologia greco-romana, era Ares ou Marte, mas também foi associado ao herói Hércules em seus momentos coléricos. Sendo de uma religião pagã que rivalizava com o Cristianismo e com o Judaísmo, Nergal foi identificado como Satã, chefe das soldados infernais e espião de Belzebu.