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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - Os Bois de Gerião

Como décimo trabalho, Euristeu decidiu aumentar a dificuldade: Hércules deveria trazer por terra e mar todo o rebanho de Gerião (Gérion), que tinha duas pernas tal como as outras pessoas, mas, a partir da cintura, o corpo se ramificava em três troncos com três cabeças e seis braços. Diziam que o grito de Gerião equivalia ao de dez mil guerreiros e que ele gostava de urrar em meio ao temporal para abafar o ribombar dos trovões de Zeus. Ele também costumava subir numa pedra próxima ao mar para desafiar aos berros àqueles que tivesse coragem de enfrentá-lo; seu desafio ecoava à grandes distâncias e pode ter sido ouvido por um capacho de Euristeu, inspirando-o nesta tarefa. Filho de Crisaor (descendente da górgona Medusa) e Calirrhoe (filha dos titãs Oceano e Tétis), vivia em uma mítica ilha próxima à Líbia chamada Erítia, com o pastor gigante Euritião e Ortro, o cão de duas cabeças e cauda de dragão (irmão do famoso Cérbero), que protegiam seus rebanhos. Seu gado era peculiar: de um tom vermelho profundo, com testas largas e pernas esguias.

Em sua jornada solitária, Hércules defrontara-se com inúmeros perigos entre ladrões e animais selvagens. Diz-se que, ao chegar a Gibraltar, o herói trabalhou arduamente para abrir um largo canal entre o Mediterrâneo e o Oceano para permitir a passagem de navios*.
* Algumas lendas dizem que Hércules usou sua força para separar o Monte Calpe do Monte Abília e, assim, abrir o estreito hoje chamado de Pilares de Hércules ou Estreito de Gibraltar.
Hércules separa Calpe e Abília. Óleo de Francisco de Zurbarán (1634)

Precisou atravessar o deserto da Líbia na continuidade do caminho. O calor era tão grande que o herói enfurecido começou a atirar flechas em direção ao sol. Helio, deus sol, implorou para que ele parasse (em algumas versões, é Apolo que pede), mas o herói disse que só o faria se ele emprestasse a barca (ou taça) de ouro que o ajudava a cruzar os mares de volta ao leste.

Com a barca, Hércules chegou rapidamente à ilha e foi logo recebido por Ortro, mas as histórias dizem que apenas um golpe de sua clava de oliveira derrubou o cão bicéfalo. O pastor Euritião levantou uma enorme pedra para arremessar no herói, que foi mais rápido e o flechou. A pedra erguida acabou esmagando o pastor.

Ânfora com pintura de Hércules enfrentando Gerião (em destaque). No chão, Ortro e Euritião abatidos.

Ouvindo a luta, Gerião vestiu três armaduras, três capacetes e levou três escudos e três lanças para enfrentar o herói. Percebendo que seria complicado derrotar o monstro num combate corpo a corpo, Hércules puxou seu arco e matou Gerião com suas flechas envenenadas. Algumas versões dizem que Hércules rasgou Gerião em três partes após uma luta feroz, simbolizando a vitória sobre a vaidade, a devassidão e a dominação despótica.

O retorno do herói a Micenas foi bem mais complicado do que conseguir o gado. Hércules colocou o gado na barca de ouro e precisou navegar ao Oceano Atlântico, considerado o fim do mundo para os antigos gregos, para devolver a barca a Helio. No caminho a pé, ergueu duas colunas de pedras para lembrar sua passagem por Gibraltar, mas seus problemas apenas começaram...

  • Em Pilos, o rei Neleu impediu a passagem de Hércules e ainda tentou confiscar o gado roubado.
  • Na Ligúria, Hércules foi atacado por aborígenes belicosos. Após grande carnificina, as flechas do herói acabaram e ele invocou ajuda à seu pai Zeus, que enviou uma chuva de pedra para afugentar os inimigos. Ainda na região, dois filhos de Poseidon - Ialébios e Dercino - tentaram roubar-lhe os bois, mas foram mortos.
  • No Lácio (onde posteriormente se ergueria Roma), Caco**, filho de Hefesto, roubou dois gados e quatro novilhos, enquanto o herói dormia na casa do Rei Evandro. Levou os animais para sua caverna no Monte Aventino sem deixar trilha ou pistas, porque os arrastou pela cauda. Ao acordar e dar pela falta do gado, Hércules saiu em busca do gado pastoreando o resto. Acabou passando próximo à caverna de Caco e o gado roubado, ouvindo o rebanho passar, começou a mugir bem alto como se pedisse socorro. O herói ouviu e encontrou Caco escondendo os animais. Matou o gigante com um rápido golpe de espada na garganta.
**Caco (em latim: Cacus) é descrito na Divina Comédia, do poeta Dante Alighieri, como um dos centauros que guardam o Sétimo Círculo do Inferno. Alguns mitógrafos o descreviam ou como um gigante cuspidor de fogo ou um gigante de três cabeças. Segundo uma das versões desta história, a irmã de Caco teria se apaixonado por Hércules e revelado o paradeiro do gigante.
Hércules mata Caco, gravura de Hans Sebald Beham (1545).

  • Na Calábria, um dos bois se desgarrou do rebanho e nadou até a Sicília. Na língua nativa, touro era “italus” e, assim, deu-se o nome de Itália ao país. O touro fora encontrado pelo rei Eryx, filho de Afrodite. Hércules pediu para Hefesto cuidar do rebanho enquanto ele buscava o touro perdido. Ao encontrá-lo no meio do rebanho de Eryx, o herói o pediu de volta após explicar sua tarefa. O rei disse que só devolveria o animal se Hércules o vencesse três vezes em uma competição de boxe, pois acreditava que o herói perderia sua imortalidade se não levasse o rebanho de Gerião para Micenas. Acontece que o herói não só o venceu como o matou, enterrando-o no templo de sua deusa-mãe.
  • Hércules carregando os bois de Gerião,
    xilogravura de Gabriel Salmon.
  • Próximo ao Mar Jônico, quase no fim de sua jornada, Hércules teve muita dificuldade de manter todo o rebanho junto, pois Hera enviou mutucas para dispersá-lo até a Trácia e a Cítia (entre a Turquia e a Ucrânia). O herói teve que enfrentar um monstro metade mulher metade serpente para conseguir juntar o gado e, mesmo depois de conseguir dominá-los, precisou atravessar o rio Strymon, que teve seu nível de água aumentado pela deusa. Com pedras e árvores, Hércules fez uma ponte para os animais atravessarem. Algumas versões dizem que o herói, na verdade, aterrou o rio.
  • Quase chegando a Micenas, Hércules foi atacado por Alcioneu de Corinto, um gigante que atirou pedras contra os rebanhos e destruiu doze carros de boi. O herói rebateu com sua clava uma das pedras atiradas por Alcioneu e o esmagou.
Hércules chegou com parte do rebanho ao reino de Euristeu um ano depois, acreditando que estaria livre de sua punição. O covarde rei sacrificou todo o gado à Hera e revelou ao herói que ele ainda deveria cumprir mais duas tarefas, pois não havia considerado a morte da Hidra (porque teve ajuda de Iolau) e a limpeza dos estábulos de Augias (porque ele foi pago).


PARTE: I - II - III - IV - V
TRABALHO: I - II - III - IV - V - VI - VII - VIII - IX - X - XI - XII
PARTE: VI - VII - VIII - IX - X - XI - XII - XIII - Livro

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

HÉRCULES: Os Doze Trabalhos - As Aves do Lago Estínfale

Mosaico romano em Valencia,
Espanha.
Euristeu voltou a pensar numa tarefa que dificultasse o uso da força de Hércules. O Lago Estínfale, no extremo norte da Arcádia, havia sido invadido por uma revoada de enormes aves fugidas de um ataque de lobos. Como elas se reproduziam rapidamente, em pouco tempo, as aves de Ares dominaram a região pantanosa e destruíram as colheitas. Suas penas e bico eram de bronze, fazendo com que se tornassem intocáveis e mortais. Algumas versões, dizem que elas eram carnívoras com a ferocidade de um leopardo. enquanto outras a referenciavam como harpias - meio aves de rapina, meio mulheres. Euristeu ordenou que Hércules afugentasse o bando.

Hércules atirando nas Aves do Estínfale, tela de Albrecth Dürer, 1500.

Címbalo chinês de bronze. (ilustrativo)
O herói achou que seria fácil, mas seus problemas começaram quando a floresta próxima ao Estínfale foi ficando bem fechada e escura. Pensando numa forma de tirar as aves de seus ninhos, Hércules recebeu a ajuda da deusa Atena, que lhe deu um címbalo de bronze feito por Hefesto. O herói bateu o címbalo e as aves levantaram vôo, clareando a floresta e fazendo um barulho ensurdecedor. Com suas flechas envenenadas, Hércules começou a abater as aves. Existem referências pintadas em ânforas que o herói teria usado uma funda para cumprir a tarefa. As poucas aves que escaparam nunca mais voltaram à Grécia: foram atormentar as pessoas no Mar Negro.

Hércules e as Aves do Estínfale, óleo de Gustave Moreau, 1872.

Uma interpretação mais realista deste mito faz das aves filhas de um certo herói Estínfalo. Hércules as matou, porque eram rudes e lhe negaram hospitalidade, concedendo-a, logo depois, a seus inimigos moliônides, Ctéato e Êurito.

No caminho de purificação do herói, o lago refletia a estagnação e as aves simbolizavam os impulsos e desejos perversos saídos do inconsciente (semelhante ao ditado “cabeça vazia é terreno do Diabo”), que foram derrotadas pelas flechas da espiritualização.


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